PERIODISTAS EN LA CÁRCEL: Os jornalistas portugueses andam justamente indignados com a tortura no Iraque e com a privação de direitos fundamentais dos encarcerados de Guantanamo, e escrevem com dor e compaixão. Aproveito a ocasião para recordar o martírio de alguns dos seus colegas cubanos, que não tiveram direito a uma linha, uma coluna de opinião, uma abertura de telejornal. Isto claro, nos anos noventa, porque se fosse agora, alertados que já estão, outro galo cantaria.
A Amnistia Internacional (AI)e a Human Rights Watch (HRW) vigiam particularmente o tratamento dado aos presos "políticos", e assentam a sua crítica ( para lá da farsa dos tribunais e do direito) na violência e nas condições a que os presos estão sujeitos. Entre 1997 e 1999, a HRW denunciou espancamentos continuados com barras de ferro envoltas em roupa na Prisão Provincial de Las Tunas, e o curioso hábito dos guardas da Micro-4, em Havana, de se embebedarem aos fins de semana como prólogo ao exercício de artes marciais nos presos políticos que iam buscar às suas celas. Técnicas de isolamento já conhecidas de há muito, foram também utilizadas neste tipo de detidos, nesses anos: a célebre tostadera, um buraco cavado no chão coberto de uma chapa de zinco, ou a ratonera, uma cela subterrânea sem luz, água ou instalações sanitárias, mas recheada de ratos. Vejamos alguns jornalistas-hóspedes destes interessantes resorts:
* Manuel Gonzalez Castellano, jornalista, condenado em Maio de 1999 por desacato( "desrespeito à autoridade") a dois anos e sete meses.
* Jesus Joel Hernandéz, director da Cooperativa Avilena de Periodistas Independientes, preso em Morón, província de Ciego de Ávila, condenado em Janeiro de 1999 pelo crime de estado peligroso.
* Bernardo Arévalo Padron, jornalista da Linea Sur, condenado em 1997 a seis anos de prisão pelo crime de desacato. Padrón tinha acusado Fidel de mentir quanto à situação dos direitos do Homem em Cuba, ao assinar a Declaração de Vinã del Mar, na 6ª Cimeira Ibero-Americana ocorrida no Chile, no ano anterior.
* Lorenzo Paez Nunez, jornalista do Buró de Prensa Independiente de Cuba, foi preso a 10 de Julho de 1997. No dia seguinte, sem lhe ter sido permitido constituir advogado de defesa, foi condenado a ano e meio de prisão. O crime: ter difamado ( acusado) o Ministro do Interior atribuindo-lhe a responsabilidade por espancamentos a adolescentes. Os menores de 16 anos em Cuba, não são alvo de setenças dos tribunais-fantoche, antes são confinados por períodos de tempo indeterminados em "Centros de Correcção", locais onde ocorrem episódios como os que Nunez denunciou.
Estes jornalistas, "presos de consciência", como os designa a AI, sofreram espancamentos, torturas selectivas, isolamento, pseudo-julgamentos. Não tiveram, como outros milhares de presos políticos, direito a imagens, fotos, filmes passíveis de escandalizar a opinião pública. Em 1999, Fidel veio a Portugal, e até foi entronizado como membro da Confraria do Vinho do Porto. Podia-se ler na Epicur : "(...) Muitos foram os que detectaram no seu (de Fidel) semblante a marca da sinceridade profunda, a condição de um amante das coisas boas da vida (...)".
Não me recordo de na altura, um único jornalista português dos que agora se indignam, ter escrito um artigo de opinião igualmente indignado, encolerizado e sofrido sobre estes ( ou outros) seus colegas. Ou de algum desses jornalistas terem recordado estes nomes ( ou outros), de os terem escarrapachado numa qualquer coluna dominical. Ainda vão a tempo, pelo menos de arranjar fotografias ou depoimentos ( enfim, trabalho de investigação ou pelo menos de copy-paste), agora que se começaram a interessar pelo assunto.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.