A "SACRISTOA" DO RABAÇAL: Hoje é o Dia Internacional do Comércio Justo, o que associo vagamente à defesa dos produtos dos países menos desenvolvidos, logo, contra a malfadada globalização. Há por aí colóquios, exposições e venda de arroz biológico da Tailândia ou cacau solúvel do Gana. Pela minha parte, como sempre faço duas vezes por ano, rumei ao Rabaçal, em demanda do autêntico. Do queijo.
Sai-se de Coimbra pela velhinha Nacional-1, no mesmo sentido dos peregrinos, a pé e agora vestidos com uns coletes verdes fluorescentes que nos fazem crer estarmos no meio de uma manif de funcionários da Brisa. Passada Condeixa-a-Nova, dormitório coimbrão, aponta-se a viatura na direcção da acastelada Penela, e antes de lá chegarmos vira-se à direita. O passeio é um bálsamo, por entre prados, habitat do chibinho de leite e de sua mãe dona cabra, olivais e vinhas, estas dando origem ao Terras de Sicó tinto, um amigo de bom preço para todos os dias, não mais. Na vila do Rabaçal, encaixada entre serranias baixas, estaciono ao pé da Igreja e vou directo à casa da minha queijeira preferida ( também lá há uma holandesa que abastece Coimbra, mas prefiro os meus). O marido, um velho que comete a proeza de falar sem dentes, informa-me que a patroa está num casamento, porque é ela que puxa o sino: " assim uma sacristoa, compreende?". Compreendido, faz-se tempo na esplanda do Ruínas, outrora bom restaurante, que fechou entretanto porque o comércio justo não chegou a estas bandas. Passado um bocado já os tenho na mala do carro, os preciosos quando autênticos, queijos do Rabaçal.
José Quitério, no seu Livro de Bem Comer, presta-lhes a devida homenagem, citando referências técnicas do século XIX e inícios de XX, porque são de facto extraordinários; tanto quanto são impunemente falsificados por esse país fora, muitas vezes por culpa dos próprios produtores. Bem, a bem dizer, o país mal conhece o Rabaçal e o seu queijo, feito de leite cru de ovelha e de cabra ( 3 para 1), em pequena produção genuinamente artesanal. Faz lembrar um bom chevre misturado com Terrincho de ovelha churra e uns pózinhos de Serpa ( esta heresia é só para dar uma ideia a quem não conheça o queijo).
E assim cumpri o meu Dia Internacional do Comércio Justo, gastando tempo e gasolina devidamente globalizados. Agora se me dão licença, vou cortar umas fatias de pão de centeio e uma talhadas de Rabaçal, abrir uma garrafa de Quinta da Pellada e ver uma das últimas prestações de Carlos Queiroz à frente dos merengues.
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