UMA PAREDE: A mulher engravidou e a partir do terceiro mês começou a desenvolver a ideação obsessiva: a criança iria nascer com um defeito. Quase todas as mulheres imaginam estas coisas, sobretudo nas primeiras gestações, mas esta mulher não se limitou a imaginar um possível desfecho trágico: tinha-o como certo. A ideação obsessiva, aqui como noutras paragens, resolve a equação entre o provável e o definitivo. Dizem os psicólogos e os analistas que tal desatino advém da incapacidade de lidar com algo que escapa ao controlo do obsessivo, que assim sendo atalha caminho. Não podendo supôr a tragédia ou até a mera imperfeição, passa a tomá-la como certa. Ao menos avisado nestas coisas, escapa o ganho do obsessivo em alto grau. E escapa bem, porque tal contabilidade é doente, a maior parte de nós suporta em maior ou menor grau a incerteza da vida. Outros não, outros trocam-na pelo controlo, pela fantasia antecipatória.
A desgraça sobrevém não só durante a gravidez desta mulher - passa-a com um sentimento de incompreensão dela para com os outros e vice-versa - mas no resultado. Se, como é habitual, a criança nasce aparentemente perfeita (como se tal fosse possível), a mãe tem outra equação a resolver. Confrontada com a falência das sua expectativas, culpabiliza-se por ter desejado mal ao seu bébé. E o processo obsessivo recomeça, agora fundado na certeza de que as suas fantasias pré-natais prejudicaram o bébé, prejudicarão a futura criança. A obsessão patológica, na maternidade como na política, substitui o pensamento pelo pensador. É uma coisa tramada.
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