CANÍCULA IV Ou mais uma página do Diário de um sofredor de Verão. Um funeral no calor torna impossível saber se alguém está a chorar ou a transpirar, o que democratiza decididamente a coisa. As garrafinhas de água espreitam por todo o lado, as bocas ocupadas a sorver descansam dos beijos solenes. Razão tem ele:
"O mais grave de tudo:
não morrer no Verão,
quando tudo é claro
e a terra é leve para a enxada".
( Gottfried Benn, trad. de Vasco Graça Moura, Relógio D'Água, 1998)
O Sol abrasava. A roda, meia dúzia de acompanhantes fitavam o morto espapaçado entre as pregas de cetim branco. Gordo, disforme, impecável no seu blaser, apenas um pouco pálido, parecia preparado para a viagem. Os cangalheiros, indiferentes, fecharam e desceram o caixão. Terminara o longo sofrimento de Verão do PNV. Maquinalmente, lançaram um punhado de terra à despedida. Foi então que o meu olhar se cruzou com o de Laura.
Mal a reconheci, quando nos cruzámos um mês depois. Mudara muito. Se não fosse o olhar... Não lhe adivinhara as longas pernas torneadas. O peito amplo pontilhado por dois mamilos ameaçadores. Recuperara do sofredor de Verão. Restava apenas uma réstea de tristeza no olhar. O reencontro fortuito, confirmava o que adivinháramos no primeiro olhar.
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