HUMANISMO PENAL EUROPEU II: Ao nosso Comandante, sempre tão proficiente e lúcido quando comenta matérias económicas, foge-lhe de vez em quando o pé para a chinela simplista quando se inebria com os defeitos da Europa.
Desta vez, no meio de um maremoto de posts (não há fome que não dê em fartura), calhou ser a propósito da pena de prisão perpétua aplicada a Dutroux pelos tribunais belgas. Só duas notas, de amoníaco, para fazer abrandar, quiçá murchar, o dedo em riste do nosso dux.
Em primeiro lugar, grande parte dos países da União Europeia permitem, de facto, a aplicação de penas de prisão perpétua efectivas. Todavia, importa lembrar que muitos desses países tinham, até há algumas décadas, a pena de morte, que foram progressivamente abandonando, até chegarem ao ponto de estabelecer uma proibição geral da mesma como condição de pertença à União.
Em segundo lugar, a violência penal de um país não se mede só pelo tipo de penas que aplica, mas também pelas suas taxas de encarceramento. Assim, para dar um exemplo, Portugal não tem prisão perpétua desde 1884 - e tinha em 2001, a par de Inglaterra e Gales, a mais elevada taxa de encarceramento da União (128 presos por 100.000 habitantes).
Ora, neste particular, a taxa média de encarceramento da UE era, em 2001, de 88 presos por 100.000 habitantes; a da Rússia era de 465 e a dos EUA de 702 (setecentos e dois) presos por 100.000 habitantes. O que significa que, se o sistema penitenciário americano fosse uma cidade, seria talvez a quarta ou quinta maior metrópole do país. O que significa, também, que é um excelente mercado, cheio de oportunidades de negócio.
Mas enfim, merceologia à parte, não fique o nosso Comandante com a ideia de que, em matéria de "violência penal", a Europa (e, já agora, a Rússia) não têm lições a dar aos EUA.
Chinela simplista. Moi ??!! Eu mencionei resto do mundo e América. E fui de facto simplista porque, como o meu amigo sabe melhor do que eu, nos Estados Unidos apenas cerca de duas dezenas de estados, de entre 51, praticam a pena de morte. Como bem sabes, muitos que se calçam em sapatos de precisão e conhecimento, atiram para o ar sistematicamente que na América se pratica a pena de morte, como se se praticasse diariamente e em todo o lado (não é o caso do meu caro amigo que nos tem brindado brilhantemente com a sua distinção entre as 2 Américas). Por último, registo a menção da Rússia, essa pátria do humanismo. A mesma Rússia que, para mencionar outro campo da violência de Estado, quando atacou Grozny reduziu uma cidade de 200.00 habitantes a uma vila com os actuais 40.000. Ai se fosse a América... Mas é melhor não ir por aí, senão daqui a pouco ja não bate a bota com a perdigota.
Peço desculpa. Pensei que o texto do meu Comandante era sobre sistemas penais; afinal é sobre O Mal. Em geral. E esse é um tema demasiado vasto para mim.
Retornando às penas tem toda a pertinência avaliar a distinção qualitativa entre pena perpétua e pena de morte, e, já agora, se se preconiza a ideia de uma diferença qualitativa (e não quantitativa) entre penas de prisão perpétua e não perpétua esclarecer qual o critério distintivo (não é ironia). Mais a sério o problema dos fins das penas (que não se confunde com questões valiométricas) é das questões filosóficas que mais necessitadas se encontram de um debate integrado e actualizado em face da sociedade de risco global que marcará o futuro das escolhas ideológicas (pelo menos no mundo ocidental). Aqui vai sobretudo um desafio para as estimulantes discussões que o mar salgado tem proporcionado e que faz dele merecedor de vários prémios (onde não incluo o de blog de direita).
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