O SILÊNCIO ASSINADO E A MILITÂNCIA ANÓNIMA: O Comandante deixou aí um post relembrando a política do Mar Salgado de não opinar sobre processos judiciais em curso, sobretudo quando envoltos na fumaça de estratégias desinformativas. Fizeram-se aqui alguns comentários sobre aspectos técnicos de decisões públicas relativas ao processo Casa Pia - mas nunca alinhámos no pagode opinativo, à flor da pele e ao sabor dos jornais, da definição dos índios e dos cow-boys, nem da desconstrução das "cabalas".
O Manuel, da Grande Loja, deixou um comentário a esta política editorial, considerando que "o problema do abstencionismo é o de ser uma faca de dois gumes...". Embora o post seja do Comandante, trata-se de uma posição comum a todos os marujos, pelo que me sinto no direito de dizer uma ou duas coisas.
Em primeiro lugar, a afirmação do Manuel é ambígua; normalmente, a expressão "faca de dois gumes" utiliza-se para designar algo que pode conduzir aos efeitos desejados, mas que também pode causar efeitos indesejados por quem a usa. Seja qual for o sentido que se dê ao nosso silêncio, dificilmente se lhe pode aplicar a expressão - porque não se lhe podem ligar, pura e simplesmente, efeitos desejados ou indesejados. E a razão é singela: nenhum de nós é agente do Ministério Público, nem da polícia, nem conhecido ou amigo das pessoas envolvidas, nem militante de um partido - e, por isso, ao contrário de outros, não nos vemos compelidos a vestir esta ou aquela camisola.
Em segundo lugar, o silêncio não deve confundir-se com "abstencionismo". O silêncio, neste caso, deve-se ao respeito e à forma como entendemos o funcionamento da democracia. O abstencionismo insinua uma demissão de deveres de escolha - que manifestamente não existem aqui. Essa é, porventura, a pior faceta daqueles que não se coíbem de comentar o processo Casa Pia: não só se arrogam o direito de produzir as opiniões mais desvairadas sobre o caso, como acham que todos os outros têm o dever (cívico?) de o fazer, numa lógica política de "nós / eles".
Em terceiro lugar, é surpreendente que o remoque venha de quem vem: homem consabidamente informado acerca dos meandros do sistema judicial e da sua política, falta agora a Manuel dar o passo decisivo e pôr um nome verdadeiro por baixo dos seus agudos comentários. É mil vezes preferível um "abstencionismo" assinado, se abstencionismo fôra, do que uma militância anónima - sobretudo quando descamba para a pirotecnia.
Pequena correcção: eu sou militante de um partido mas não me sinto compelido a vestir nenhuma camisola em processos judiciais. De resto, posta perfeita. Assino por baixo.
definitivamente comentários de parágrafo único não são uma boa ideia;
Como nota prévia, deixem-me esclarecer que eu não deixei nenhum comentário "à política editorial" aí da Nau pela razão pura e simples de que respeito e bastante a opinião dos outros até porque se não a respeitasse não me dava ao trabalho de a comentar.
Eu limitei-me a emitir um comentário - sintético de mais ao que parece - e que foi lamentavelmente interpretado como um "ataque", e pelos vistos logo piromano, e que nunca imaginei que desse azo a tão complexa e inflamada leitura, mas enfim ...
Clarificando e por partes - Independentemente do que se ache ou deixe de achar sobre o Processo Casa Pia, per se, o drama é que este desde há muito que deixou de poder ser analisado atomica e isoladamente.
Mais, e salvaguardando as infelizes vítimas, e por muito crua que a afirmação possa parecer, os detalhes concretos do Processo não me interessam particularmente - é um crime, como muitos e ponto final. O que a mim me preocupa como cidadão é toda a "mecânica" que no desenrolar do processo foi ficando visível. O Processo Casa Pia é relevante mais pelo que se passou a montante e a juzante e porque revelou uma faceta da sociedade na qual eu pessoalmente não me revejo e que anda longe da minha visão do que é um Estado de Direito e uma Democracia.
É nessa medida que eu critico, mas respeitando obviamente a opinião de terceiros, o distanciamento ainda que infinitamente bem intencionado. O que está em causa não é saber se fulano ou beltrano é culpado, se A ou B foi coagido a fazer isto ou aquilo, o que está em causa é que sob qualquer ponto de vista há uma série de coisas que não é suposto passarem-se em circunstâncias normais. E isso, como os mirabolantes acontecimentos actualmente em curso na PJ do Porto que com podem tirar o pio a caso Dourado, para mim é motivo mais que legítimo de comentário e participação cívica.
É nessa óptica que eu usei o conceito de abstencionismo embora se calhar devesse usar a expressão "neutralidade" ou "distanciamento".
Não se trata pois de vestir esta ou aquela camisola mas de civicamente nos interrogar-mos até quando é que "democratica" e "civicamente" se vai assistir impavida e serenamente à clara degradação das instituições (e isto não tem nada a ver com clubites, calaques, o MP, com as Polícias, etc - tem a ver com todos nós)
A faca de dois gumes a que me referia é estabelecer a fronteira entre um debate sério e frontal sobre uma série de problemas reais e a "clubite" aguda e o ruído de que vocês se querem afastar. Na minha humilde opinião - que vale o que vale - ponderado o risco eu acho que há de facto uma série de questões que não podem esperar pelo fim do Processo para serem debatidas. Essas questões - tais como a "existência" de uma série de poderes facticos à margem das instituições, o funcionamento "alternativo" de muitas delas, etc - vem de muito antes do início do Processo mas nunca foram tão óbvias como durante o seu decorrer. É nessa lógica que eu acho o "silêncio" a tal faca de dois gumes, e não vou recordar aquí uma peça de Brecht onde o porteiro foi o ultimo a "chorar". É apenas e só a minha opinião e vem de trás.
Quanto à, recorrente, questão do anonimato, e há membros "anónimos" e não anónimos na Loja, já por mais de uma vez se explicou pacientemente as razões da "descrição". Por muitas e variadas razões não quero de momento ser julgado pelo que(m) sou mas pura e simplesmento pelo que escrevo, sendo que não sou polimórfico nem tenho múltiplas identidades. A revelação da identidade não trás rigorosamente nenhuma mais valia, nem valor acrescentado, nem acrescenta ou tira seja o que for à qualidade, ou falta dela, dos meus textos. E obviamento que não é por ser "anónimo" que se é menos responsável por aquilo que se escreve e assina.
Para terminar uma última nota - onde está a pirotecnia ?
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