DUAS NOTAS RÁPIDAS, INTIMAMENTE LIGADAS: Ao fim de mais de dois anos, começam os julgamentos de Guantanamo. O primeiro grupo de arguidos que responderão perante a ordem militar especial de Bush é constituído pelo ex-motorista de Bin Laden, um antigo caçador de cangurus australiano, um poeta iemenita e um contabilista sudanês; de acordo com advogados americanos e organizações de direitos humanos (a tal sociedade civil), as condições do processo estão muito longe de garantir um fair trial (pormenores aqui e aqui).
Jacques Derrida, gravemente doente, dá uma grande entrevista ao Le Monde, intitulada "Je suis en guerre contre moi-même".
Caro Pedro, obrigado pela dica, já li a entrevista, muito interessante! Esta frase ("l'insistance va surtout, dans un monde plus inégalitaire que jamais") é um pressuposto central na opinião de Derrida sobre a ordem mundial. É verdade? Não me parece... Prefiro um optimismo com reservas de um Karl Popper que relembra que nunca tanta gente viveu tão bem como no momento histórico actual. O que não implica um conformismo face às desigualdades, mas antes um realismo optimista que evite que em nome da luta contra a desigualdade se crie ainda mais pobreza.
Em relação à primeira nota: Concordo que "as condições do processo estão muito longe de garantir um fair trial". Mas noto que as sessões vão ser televisionadas (nós podemos assistir!) o que confere alguma transparência aos julgamentos. Não percebo porque dás grande relevância às profissões dos arguidos. Se forem considerados culpados, que interesse tem a profissão de um terrorista ou de um fanático, que está disposto a matar em nome das suas ideias? E já agora, caçam-se cangurus, nas montanhas de Tora Bora?
bem, quanto às preferências sobre a mundividência deste ou daquele... são matérias de fé, ou de gosto, e por isso, susceptíveis de discussão mas não de prova. Falo das profissões dos arguidos porque me parece importante lembrar que quem está a ser julgado são pessoas como nós, de carne e osso, e não bonequinhos de videogames nem personagens de filmes de guerra mais ou menos facinorosos. A transmissão dos julgamentos não tira nem põe relativamente à qualidade do julgamento. Essa ideia de que a transparência é uma virtude que tudo salva (e substitui) é, quanto a mim, errada. A trasparência é só um meio e, como tal, susceptível de apropriação propagandística. O que me interessou ao ligar os julgamentos de Guantanamo com a frase de Derrida foi a ideia de que, ao montar julgamentos deste tipo, o Ocidente entra em guerra consigo próprio e com os seus valores fundantes. As vítimas dos unfair trials são, antes de mais, os acusados. Mas também, em não menor medida, os seus juízes.
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