AS EXPECTATIVAS: A ideia de que Kerry ganhou o primeiro debate televisivo com Bush parece estar a impôr-se. Há alguns bons motivos para tal. Kerry apresentou um ar mais calmo e seguro do que um Bush invulgarmente disperso e irritadiço. Partindo de uma posição em que lhe seria mais difícil argumentar, apresentou-se mais articulado e consistente que um Bush repetitivo e sem cham. A discussão, por sinal bastante substantiva, foi entre duas visões diferentes sobre a guerra do Iraque. E também aí Kerry se saiu bem, uma vez que algumas das inconsistências e incoerências do seu discurso, como o voto pela guerra mas contra o seu financiamento e algumas frases mal calibradas, passaram incólumes sob o olhar de um Bush em noite sem killer instinct. O debate foi sem dúvida um bom momento numa campanha que caminhava perigosamente para um nível muito baixo. Os americanos foram confrontados co duas alternativas claras e bem definidas sobre como abordar questões centrais da política externa americana, da guerra do Iraque passando pela Coreia do Norte até ao genocídio de Darfur.
O efeito que se vê nas sondagens publicadas logo após o debate limita-se a reflectir uma questão de expectativas. Por muitas razões (a aura que o poder trasmite, o patriotismo à flor da pele natural numa nação em guerra e um discurso pouco consistente dos democratas sobre a matéria), um debate sobre segurança interna e política externa era à partida o mais difícil para Kerry. O facto de a ele ter sobrevivido sem estragos de maior explica grande parte da reacção positiva do público.
Estes números, no entanto, não permitem muitas conclusões. Antes do debate, a esmagadora maioria dos americanos, em números em torno dos 60%, achavam que Bush seria um melhor comandante-chefe, contra cerca de 35% que consideravam Kerry mais apto para essa função. Se as sondagens dos próximos dias confirmarem ter havido uma alteração sensível nestes valores, com uma aproximação de Kerry, então sim o debate terá sido muito proveitoso para o democrata. Significa que os americanos passaram a considerá-lo seriamente como uma possível alternativa para seu líder em tempo de guerra.
Até lá, os números até agora divulgados mostram apenas que os americanos esperavam que Kerry fosse esmagado neste tema. O que não aconteceu e, como veremos nos próximos dias, pode ter sido ou não um momento de viragem na tendência geral destas eleições.
Estamos de acordo, Nuno. Estava curioso para ler a tua opiniao sobre o "debate" de ontem 'a noite. Para quem, como nos, vive deste lado do Atlantico, sabe que neste momento existe uma tendencia real de Bush vencer estas eleicoes. Contudo, tambe ouvi hoje muita gente visivelmente agradada com Kerry. A mim surpreendeu-me e pela positiva. Como tinha dito antes, e tu afirmas tambem no teu post, este seria 'a partida o debate 'a medida de Bush. Ora isso nao aconteceu... Nos porximos Bush vai apresentar outra postura e com isso tambem vai ter de correr mais riscos. Pode ser que as eleicoes comecem a ficar um pouco mais interessantes, nao achas?
Caro EAS, Concordo contigo. É para mim muito claro, desde há muito, que estas serão eleições renhidas e muito interessantes. Aliás, parece consensual que o debate da passada quinta-feira foi dos mais substanciais a que a América teve acesso nos últimos anos. Caro jamiroo, Falei em "..invulgarmente disperso e irritadiço.". Não mencionei a capacidade oratória ou suposta eloquência de Bush que, como todos sabemos, não são o seu ponto forte. O que tem sido ao longo da sua carreira a sua principal qualidade é a disciplina e profissionalismo e a capacidade de encaixe. E que pareceram estar mais em baixo que o habitual durante o debate. Mas, enfim, se quiser resumir o assunto e limitar-se a chamar burro e ignorante ao senhor, como faz grande parte dos "inteligentes" europeus, está à vontade. Dá menos trabalho e é mais confortável - sempre se auto-dispensa de pensar um bocado. Saudações bloguísticas Nuno
não estava eu a referir-me somente à "capacidade oratória ou suposta eloquência de Bush", nem tão pouco a resumir o assunto e abstrair-me de pensar: simplesmente acho que essa capacidade de encaixe de Bush (que reconheço) só é exímia quando este está em "ambiente protegido" - em congressos, em comícios, em visitas de estado, etc, em que tudo está controlado ao minuto e à palavra, nomeadamente o que ele pode ou não dizer, o que ele pode ou não fazer, a quem o pode ou não dizer, a quem o pode ou não fazer, e, particularmente, o que lhe podem ou não dizer e fazer. Agora quando em "ambiente hostil" como, por exemplo, num debate (atenção, debate frente-a-frente e em directo), parece que Bush perde essa capacidade de encaixe. Coincidências?
(de facto será necessário um grande profissionalismo e disciplina para que essa capacidade de encaixe funcione de cada vez que há uma aparição pública... mas sao duas qualidades que, num presidente, estariam melhor aplicadas noutros sentidos...)
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