A ESPERA: Anda mal isto do blogger ou da netcabo, não sei. O que sei é que se torna difícil escrever: melhores tempos virão?
Esta crença que face à enxurrada, ao desemprego ou má sorte, melhores tempos se sucederão, faz-me sempre encontrar Petrarca (*) numa das suas ambivalências estóicas. No primeiro diálogo do Secretum imagina uma troca de opiniões com Sto. Agostinho e põe na boca deste um certo desdém pela pureza estóica; os do Pórtico afastar-se-iam demasiado da vida concreta pese embora a beleza formal da sua perfeição. Ciosos da perfeição, domínio de Deus, uma dos motivos da desconfiança agostiniana face à desordenada escola do Pórtico. Adiante. É no entanto delicioso o conselho que Petrarca, mascarado de Razão, dá à Esperança no trigésimo terceiro diálogo do De remediis utriusque fortunae. Diz a Esperança que aguarda melhores dias que por certo virão; Petrarca responde-lhe que não há dias bons nem dias maus, pois que a bondade do Criador é sempre a mesma, nós é que empregamos mal o nosso tempo. Logo aqui se afasta, et pour cause, de Zenão e também de Séneca, que não faziam entrar o Criador nas suas contas. Mas tem mais adiante uma recaída quando a Esperança lhe repete a certeza de melhores tempos, e ele replica:Diz Séneca que toda a época se queixa dos seus costumes. Se confias em melhores dias e podes alcançá-los por ti próprio, não tens que os esperar. Para desespero da Esperança, resume Petrarca, agora descaradamente estóico: enquanto esse dias melhores não chegam, trata de empregar bem o teu tempo em vez de viver na angústia da espera do que talvez nunca chegará ou daquilo que tu arriscas nunca chegar a ver. Claro está que se confiarmos noutra vida ( e boa) para além desta, não precisamos da costela estóica de Petrarca para nada e desaproveitaremos então este nosso tempo. Se não acreditarmos nesta vida, também.
(*): traduções livres a partir das edições francesas Rivages 1991 para o Secretum e Seuil 2001 para o De Remediis. As minhas desculpas pelas quase certas imperfeições.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.