A MANIA DO BIVALVE: O que me surpreende é o alastramento compulsivo da tese das campanhas e "cabalas" na vida social, política e desportiva portuguesa. Lembro-me do tempo das campanhas organizadas, como a do extinto Diário que estava para o PCP como o Barnabé está para o BE, e que deve ter feito para aí umas trinta capas a chamar bígamo a Sá Carneiro. Mas campanhas dessas eram limpas, claras, desnudadas.
Este sentimento infeccioso de se ser alvo de uma conspiração terá algo a ver com a alma portuguesa? Não sei. Releio Pascoaes, António Quadros, Camões, mas não encontro explicação suficiente. Na clínica, a mania permanente de se ser alvo de uma conspiração é coutada rigorosa do delírio paranóide, nunca encontrei histéricos ou neuróticos que se queixassem da coisa. Talvez uma pista para explicar esta mania lusa da perseguição resida no registo comunicacional. Temos por herança salazarista um temor muito particular à discussão, temor esse engordado por anos de crescimento convulsivo, o que talvez não nos tenha permitido acariciar o plano franco do confronto. Existem pessoas muito tímidas que se queixam de ficar a remoer ofensas. Essas pessoas são muitas vezes brutalmente agressivas e de certo modo receiam que se puserem cá fora o que lhes vai na alma, o mundo desaba. Até certo ponto, as meias-palavras, as insinuações, o rosnar baixinho a que assistimos cada vez mais, temperados com o lamento de estarmos a ser vtítimas de uma urdidura, correspondem um pedaço a este perfil.
Frequentemente, sermos claros e duros nas nossas críticas ou réplicas implica deixarmos de lado o cálculo subterrâneo acerca das vantagens que perdemos com essa clareza. Em Portugal, no povo da rua, esse cálculo não existe no futebol ou às portas dos tribunais. Mas quando já não estamos protegidos pelo relativo anonimato da maralha recolhemo-nos como bivalves disciplinados. A lamúria da "cabala" , acrescida da insinuação ou da meia-palavra, assenta como a uma luva a uma elite temerosa, habitante de um espaço pequeno em que todos se conhecem e em que todos se temem, mas no qual verdadeiramente ninguém se respeita.
Lembra-se do spot do Diário? "A verdade a que temos direito"?? Era da autoria de Ary dos Santos... Era para mim o supersumo da ironia, tal como eu a lia(não como ela foi criada, claro!).
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