REACÇÃO: É evidente que a Europa não corre sério risco de passar a perseguir as mãs solteiras ou os homossexuais se Buttiglione for confirmado. Do meu ponto de vista, o problema nunca foi esse. Mas também só um tolo que nunca tenha passado os olhos por alguns livros do Antigo e sobretudo do Novo Testamento, é que pode achar que quem se rege pela observância estrita dos códigos comportamentais aí vertidos exprime apenas "posições morais". A Bíblia é um projecto civilizacional, vai muito para além da singela recomendação moral. A História da Europa, que mais não fosse que o período da Reforma e da algo imprecisamente designada Contra-Reforma mostra que o problema sempre passou pelo controlo social: processos de homogeneização intelectual, uniformização dos dispositivos culturais, edificação de uma forma de viver. Quando nos alvores do capitalismo da Expansão marítima a Igreja considerava um pecado a multiplicação do dinheiro através dos juros nos bancos de Antuérpia, julgam que era apenas uma posição moral que estava em causa?
O que me preocupa não é Buttiglione. O que me preocupa é por um lado, como já escrevi aqui, verificar o ressurgimento do velho ódio à Modernidade, tendo como alvo primário, tal como nos finais do século XIX, os comportamentos individuais e privados. Mas é tão fora do texto imaginarmos que existe algum risco de regredirmos nesse campo só porque Buttiglione é eleito ( como pensa a agenda politicamente correcta), que tem de existir algo mais. E esse algo mais é o que verdadeiramente me preocupa: até que ponto o relacionamento difícil entre uma Europa prenhe de imigrantes islâmicos e cada vez mais alargada ( da Ibéria à Letónia) e portanto fragmentada, pode favorecer em efeito de ricochete, uma reacção de fechamento sobre antigos dogmas? E Buttiglione é um produto italiano tradicionalmente ancorado numa concepção do Mundo autista: o Vaticano portou-se muito mal (não viu, não ouviu e não falou) na questão judaica porque tinha de sobreviver à força de Mussolini e Hitler, recordam-se?
Verdade verdadinha. Os diferentes interesses sempre estiveram e estarão presentes no mundo. E sempre que se prenunciam tempos de mudança(de interesses, porque não também?) da forma de ver o mundo, esses são tempos de lutas mais acesas. Estamos num tempo desses.
Verdade verdadinha. Os diferentes interesses sempre estiveram e estarão presentes no mundo. E sempre que se prenunciam tempos de mudança(de interesses, porque não também?) da forma de ver o mundo, esses são tempos de lutas mais acesas. Estamos num tempo desses.
Esta perspectiva do problema é deveras interessante. A Europa tem sempre uns problemas com a religião e a moral que são, diria, estruturais. E o retrocesso pode sempre ser uma realidade. Veja-se a onda de puritanismo que alastra-se novamente no mundo... De qualquer forma fico mais descansado que um Comissário que diz o que este disse não tenha o direito de exercer o cargo.
Tanto disparate. A 'modernidade' foi construída por homens de Igreja: Petrarca (esse que tinha um irmão na Cartuxa), o cardeal Nicolau de Cusa, Erasmo (a quem o papa Adriano ofereceu o chapéu cardinalício), Copérnico, Vesálio, Tycho Brahe, Gregório XIII que reformou o calendário, Suárez, a Companhia de Jesus e os frades que fieram o 'encontro de culturas', os Padres do Oratório, Descartes, Mendel o frade fundador da genética, crentes como Newton, Leibniz, Wittgenstein, papas como Gregório XVI que muito contribuiu para o fim da escravatura, Leão XIII, o Concílio Vaticano II que mudou o mundo. Quanto à infame acusação do silêncio perante o holocausto, vá ler o que escreveram reputadíssimos historiadores judeus, o que têm dito rabis de Israel, da Europa e da América: segundo dados dos arquivos israelitas a rede montada por Pio XII durante a guerra salvou a vida a cerca de 860 mil judeus, por alguma razão Einstein, Golda Meir, Moshe Sharett e o rabi Isaac Herzogver no final da guerra agradeceram publicamente a ajuda dada por Pio XII; vá ler os escritos dos autores judeus: David Dalin, Martin Gilbert, Michael Tagliacozzo, Pinchas Lapide ou Richard Breitman.
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