O AMOR: Nestas alturas é que é bom voltar a estes terrenos, é sábado, os bloggers estão todos a jantar, ninguém nos ouve. Aqui há tempos comentava o JMT, amigo desta nau ( que ele me perdoe não eu conseguir fazer o link directo para o seu Exacto), a estranheza dos caminhos da memória. Sobretudo da memória de quem perdemos. Para ele (e para outros argonautas) esta história: apareceram-me já na casa dos setenta e muitos, a minha tarefa era apenas colateral: avaliar o défice cognitivo do marido. Palavra puxa palavra venho a saber que este casal de velhos dos arredores de Coimbra teve outrora dois filhos. O mais velho, se fosse hoje vivo teria 48 anos, o mais novo, se fosse hoje vivo teria 41. O mais velho morreu em 1971, com apenas 15 anos, num desastre da camioneta que o levava, na altura, ao Liceu José Falcão, então D.João III, só para rapazes. Ficaram com o mais novo, que em retribuição ficou com eles. Não casou, era bom moço, não bebia nem fumava. Há oito anos, com a a idade de Cristo (33 anos) passou-se com um cancro do pâncreas.
Estes velhos assim ficaram, sozinhos, numa casa forrada a memórias. Pergunta do iniciado: como sobreviveram? Porque sobreviveram? Que espécie de obscena alga os tem alimentado ao lodo do fundo? Porque é que não se deitaram na cama com as mãos entrelaçadas no terço, enquanto aguardavam o aroma doce do gás da cozinha ?
Para que idiotas como eu os possa conhecer. Para que patetas alegres como eu se convençam da sabedoria do aforisma de Goethe: Não há nada pior do que uma sucessão de dias felizes.
Resta então a questão do JMT, se bem a percebi: como é que alguém que nos abandonou exactamente, nos pode ainda guiar? Suponho que só a variedade das nossas experiências pode responder. Pela minha parte recorro à diferença de fusos horários, de tempo e de ritmos *. É uma espécie de jet lag: estou aqui mas é como se ainda estivesse lá.
* Um dia destes hei-de trazer ao blogue uma psicanalista inglesa, Frances Tustin: é sensata ( o que não é comum nos psicanalistas) e tem coisas muito interessantes para dizer do alto do seu trabalho de mais de trinta anos com crianças autistas, sobre os ritmos de segurança, sobre a confiança, sobre o amor. Que eu saiba não está traduzida em Portugal, mas tal não invalida a divulgação, ainda que soluçada, de alguns dos seus textos.
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