O TEMPO DELAS: Aproxima-se o tempo da (outrora) cozinha feminina. Os primeiros frios de Novembro aliviam o sofredor de Verão e o avental ata-se a elas. O meu, um velhinho de dez anos, companheiro de muitas sessões de tachos & fogões é do Atelier du Vin, preto e comprido, comme il faut: espero levá-lo para a tumba, como o Sinatra levou as sopas Campbell. Tenho o desgosto de não ter ainda arranjado um barrete de cozinheiro ( embora eu seja apenas um amadoríssimo petisqueiro), acto imputável ao meu desmesurado perímetro cefálico mas também ao meu enjoo crónico pelos barretes brancos.
Mas o tempo é delas, dizia eu, porque o tempo é da cozinha familiar, simples e farta. As castanhas não têm segredos, as papas de abóbora também não. Um capão assado no forno não sofre torturas nas mãos femininas desde que não se abalancem a recheá-lo. O bolo-rei já é só para algumas - tenho uma irmã e uma cunhada que o sabem fazer - as velhozes de Coimbra e uma ou outra perdiz estufada em couve também não lhes sai mal.
As mulheres não sabem cozinhar, isso é um facto. Mas sabem fazer comida naquele jeito despachado de alegrar garotos e velhotes gulosos: está-lhes nos genes do sofrimento não se poderem preocupar com a arte e o tempo das panelas. O meu avental entra assim num período de descanso, espero que entrecortado por uma sela de lebre com compota de framboesas e amoras caseiras, que congelei no devido tempo.
Enfim, desde que não as deixem mexer no bacalhau, porque o cozem sempre, entregando à miserável água da torneira ebuliente a gordura que é do gadídeo por direito divino, nada está perdido.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.