SEGREDO E CRIME: Em comentário ao post do FNV Fortes Fracos, JPT fica justamente perplexo com a incongruência de impor um dever de denúncia a funcionários que tomem conhecimento da prática de um crime no exercício (e por causa) das suas funções (art. 242º do Cód. de Processo Penal) e, simultaneamente, exigir a responsabilidade disciplinar de quem cumpra esse dever.
A matéria do segredo profissional e da sua quebra é bastante complexa. Porém, é ponto assente que o dever de denúncia que incumbe aos funcionários públicos cede perante o dever de guardar o segredo profissional. Por outras palavras, um funcionário público não tem o dever de denunciar um crime se isso implicar uma violação do segredo punida pelo art. 195º do Cód. Penal, onde se visa proteger a privacidade dos titulares do segredo que entram numa especial relação de confiança com certos profissionais. Só assim não será se a denúncia não visar exclusivamente a repressão penal do facto, mas visar também a prevenção de futuros crimes, que hão-de ser suficientemente graves para justificar o sacrifício daquela privacidade que a lei entendeu proteger através da imposição do segredo.
Solução análoga cabe ao problema de saber se o funcionário (ou qualquer outro agente sujeito a segredo) tem o direito de quebrar o sigilo no caso de tomar conhecimento da prática de um crime. Também aí, o interesse na repressão penal dos factos não confere, por si só, um direito de violar o segredo - mas a preservação de bens mais importantes do que a privacidade do titular pode justificar a quebra (será a hipótese, por exemplo, do psicólogo a quem a paciente informa, de maneira credível, da sua intenção de envenenar o marido no dia seguinte).
Fora dos casos em que o portador do segredo tem o dever ou o direito de quebrar o sigilo, a denúncia pode implicar responsabilidade disciplinar e, eventualmente, criminal.
Quem estiver interessado em desenvolvimentos pormenorizados, pode encontrá-los no comentário do Prof. Manuel da Costa Andrade ao art. 195º do Cód. Penal (Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I) e, numa óptica processual, na obra do mesmo Autor Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal (1992).
eu sinceramente vi-me perdido no meio da sua argumentação. e como deve-se a ignorância minha pedia a sua ajuda para duas respostas simples (se tal for possivel)
1. um médico que assiste a uma criança maltratada pelos pais está ou não obrigado a revelar este caso (i.e. a quebrar sigilo)?
2. se um médico (ou enfermeiro) assiste um pai que tem ferimentos (eg. uma dentada) que foram provocados quando este estava a maltratar o filho, deve ser quebrado o sigilo?
Pouca gente sabe as circunstâncias objectivas em que a denúncia foi feita. Podem não ter havido nenhumas e o enfermeiro podia apenas estar mal disposto nesse dia mas também se pode dar o caso de ter havido coação sobre a consciência cívica ou individual do enfermeiro perante insistência da familia ou da rapariga ou até mesmo do serviço hospitalar. A regulamentação de situações deste tipo pelas ordens profissionais não faz qualquer sentido, regra geral dão mau resultado, mau serviço ao utente e fortalecem o corporativismo que nos faz por exemplo pagar uma alta factura em despesa pública pela não adesão generalizada dos médicos aos medicamentos genéricos. Em situações como esta é preferível serem julgadas em tribunal ou não o chegarem a ser como foi o caso.
Caro CParis, ao contrário do que sugere as respostas não são nada simples, mas as perguntas são particularmente interessantes porque adicionam dois factos novos ao problema que tratei no texto: na sua 1ª hipótese, o (ou melhor, um dos) titular(es) do segredo é vítima, e não autor do crime; em ambas as hipóteses, estará em causa um eventual crime cometido contra um menor. Tentarei responder amanhã, aqui ou por e-mail. Obrigado, e melhores cumprimentos.
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