TUDO ISTO EXISTE: Tenho guardado silêncio acerca do episódio da nomeação da Prof.ª Anabela Rodrigues para directora do CEJ por duas razões: em primeiro lugar, porque sou seu amigo e tudo o que escrevesse poderia assumir um carácter pessoal que eu não desejo; em segundo lugar, porque as pessoas e as entidades implicadas já foram dizendo, por si próprias, muito mais do que o suficiente para que a opinião pública avalie bem o fundo da questão.
Porém, o Público de hoje transcreve excertos da acta da reunião do Conselho de Gestão do Centro de Estudos Judiciários que, por unanimidade, deu parecer favorável à nomeação da Prof.ª Anabela Rodrigues para directora do CEJ. E levantam-se aí questões que, sendo aparentemente laterais ao episódio, constituem a parte central do problema que verdadeiramente interessa.
Ao que parece, o Conselho Superior da Magistratura decidiu distribuir a transcrição da dita acta pelos tribunais. Não sei se se trata de um procedimento normal nestas situações. Mas o Público fez um bom serviço ao publicá-la: esclarecem-se, por palavras das próprias, as preocupações de algumas figuras de topo da justiça portuguesa.
Sete membros do Conselho aprovaram a nomeação sem "reservas". Dos que manifestaram algumas "reservas", merece referência, pela sua clareza, a opinião do Conselheiro Silva Paixão, para quem o CEJ poderia ficar "melhor servido se o cargo de director continuasse a ser desempenhado por um magistrado", mas que, todavia, não se opôs à nomeação por duas razões: a lei do CEJ prevê que a instituição possa ser dirigida por um professor universitário e "atendendo ao currículo" da indigitada. Entendimento que, por acaso, faz lembrar as declarações que vi serem atribuídas ao presidente da Associação Sindical dos Juízes, segundo as quais seria difícil acreditar que não exista um magistrado capaz de cumprir bem a função.
Quer dizer: estas reservas não contestam a legalidade da decisão, nem a competência da Prof.ª Anabela Rodrigues para desempenhar o cargo. Pior: não sugerem alternativas de pessoas mais competentes para fazê-lo. O grande óbice é - a nomeada não ser magistrada e, portanto, não ter sido ungida. Desafortunadamente, é a própria lei, aprovada pelos representantes do povo, que admite a nomeação de profanos para o cargo.
Já o Presidente do STJ, equiparando com duvidosa graça a formação dos magistrados à arte da equitação, teme que um universitário não seja capaz de dirigir o "picadeiro" (sic) do CEJ. Ora, como se sabe, o director do CEJ não dá formação técnica aos auditores, que é essencialmente assegurada por magistrados. Será um juiz incapaz, por ser juiz, de dirigir uma universidade?
Mais: será necessariamente mau que o próprio corpo docente do CEJ seja integrado também por não-magistrados? Convém lembrar que as universidades portuguesas acolhem amiúde, no corpo docente dos seus cursos de pós-graduação, magistrados. Para ensinar. Porque entendem que a reunião de experiências profissionais diferentes é positiva para quem aprende. Estarão erradas? Da mesma maneira, não consta que os magistrados sofram de uma qualquer capitis diminutio na obtenção dos graus académicos de mestre e doutor. Conheço vários.
No fundo, o bizarro episódio é apenas mais um afloramento da mentalidade de feudo que domina certos sectores da magistratura portuguesa e que tem outras mostrações conhecidas: p. ex., o desprezo mal-disfarçado a que são votados os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam "de carreira" e a virtual inexistência de juristas de mérito nos tribunais superiores (ao contrário do que sucede em vários países, como a Alemanha, onde os professores universitários são frequentemente juízes num tribunal superior, acumulando até ambas as funções).
Enfim: generoso, o Presidente do STJ concede à Prof.ª Anabela Rodrigues "o benefício da dúvida". Que diriam o Presidente do STJ e o presidente da Associação dos Juízes se uma universidade lavrasse a seguinte acta: "a lei permite a contratação de um juiz como professor universitário e, no caso concreto, fulano de tal tem um currículo brilhante; por isso, embora decepcionados, não nos opomos à sua admissão, dando-lhe o benefício da dúvida"?
excelente post do PC, tanto nos comentários (propositadamente contidos) referentes a Anabela Rodrigues, como no que toca a mais uma lamentável posição de um largo sector das nossas magistraturas. Francisco M. Gaivão, advogado, Macau
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.