OS OUTROS II: No mundo das psicoterapias, não são as grandes perdas nem as grandes convulsões - leia-se a morte, o desemprego, a doença incapacitante - que suscitam os pedidos de ajuda. Tal acontece, é certo, mas menos frequentemente do que outro sismo: a deterioração da relação com os outros. Pais e mães, maridos e mulheres, filhos e namoradas, amigos e cunhadas, colegas e empregados, constituem o reservatório da desafeição. Porque somos (estamos) tão sensíveis? Em boa medida porque esperamos demasiado dos outros.
E isto, meus caros, liga-se no mundo ocidental ao sobreinvestimento que nos ensinam a fazer, desde pequeninos, no desejo e na sua satisfação: os outros não se distinguem muito de qualquer objecto que é suposto nos dar prazer, de preferência sem grande trabalho, de preferência continuamente. No mundo rural de antanho os pais tinham filhos como forma de assegurar uma velhice descansada, hoje têm-nos para que eles - filhos - sejam aquilo que eles - pais - não puderam ou não souberam ser.
Crescemos assim investidos da função de sermos felizes, reagimos mal ao espelho relacional. Sobretudo, perdemos a capacidade de pesar a tristeza, a frustração, o desencanto, como elementos estéticos ( no sentido de subversão da forma) da existência. O sucesso dos químicos ( os legais e os ilegais) passa muito por aqui.
Estamos a colocar a fasquia da exigência a um nível tal que faz com que, tendencialmente, a felicidade seja uma coisa cada vez mais afastada, o que tem por consequência que, para além de não sermos capazes de "gostar dos outros", nos sintamos cada vez "pior" connosco próprios. Nos dias de hoje, "corremos" atrás de quê?
________________________________________________________ Esse Post pareceu-me, como diriam os anglofonos "Very Freudish". "Mal-Estar na civilização" quiçá...
Mas ainda bem, porque a blogosfera precisa (e o mundo também) "desse" Freud...
Um abraço do Rui ______________________________________________________
Certo. Interessa-me principalmente a passagem sobre o que os pais esperam dos filhos; mas com uma nuance: para mim o problema não é os pais esperarem que os filhos sejam felizes, o problema maior é os pais esperarem que os filhos OS façam felizes (a eles pais). Por outras palavras, ver os filhos como solução para a felicidade dos pais. Isto vê-se muito, por exemplo, na discussão sobre a adopção por gays, em que o assunto é discutido em termos de "direito a ser feliz" sendo pai/mãe. Isso arrepia-me. Vou voltar a este tema brevemente no meu blog.
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