TOPOGRAFIA SENTIMENTAL: Cada vez que eles falam do Alto Douro, torce-se um nervo cá dentro. Hoje o Besugo pôs uma fotografia das vinhas com nevoeiro, e é assim mesmo, por cima das vinhas, quando está nevoeiro: "névoa e fraguedos, vinhas a descer pelos ombros dos homens abaixo".
Foram muitos setembros, às vezes outubros (quando as férias eram dignas desse nome), a pinchar por ali, no meio da bicharada, das amoras e do cheiro a mosto. Chegar de comboio à estação da Alegria, quatro horas depois de sair do Porto, a somar às duas que se traziam de Coimbra. Descer, caindo repetidamente, de S. Salvador até à Valeira, pela Quinta do Cachão, sempre temerosos da Ressurreição dos Mortos, com a cana de pesca (de pesca? dos feijões!) na mão e a sacola do lanche a atrapalhar. Ou ir aos frades (sombreiros, agasalhos, que em pequenos se dizem maçarocas), jantados depois sem demasiado receio. Fabricar armadilhas para coelhos que, por razões insondáveis, nunca funcionavam. Crescer: caçar pardais com uma pressão de ar e, de repente, ser incapaz de caçar pardais com uma pressão de ar. Adormecer ao som do relato do Portugal-Espanha em hóquei - maior acontecimento do dia.
Mais tarde a casa diminui, enruga-se, já não cheira a compotas ao lume. E a gente torna-se mortal, ganha medo aos cogumelos, inventa uma vida ocupada, são duas horas de carro, e vai arrumando a felicidade na memória. Até que alguém, como dizia Molero, nos atira uma frase a lembrar-nos quem somos. Ou põe uma fotografia assim. E a gente fica meio envergonhada, mas agradece.
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