FUNDAMENTAL: É das mais rochosas separações, sobretudo se não for física, a que define pai/mãe e um filho. Um corte entre estes dois territórios é um corte com a lógica da cultura (por alguma razão o infanticídio e o parricídio são mais valorizados a partir do advento das civilizações axiais). Em psicoterapia nunca se consegue trabalhar sossegadamente estas coisas: há sempre um sobressalto, como se a pessoa estivesse em carne viva.
Um velho psicanalista, experiente e de escrita razoável, Michael Balint, publicou há muitos anos (1977) um conjunto de ensaios e artigos a que deu o nome de O Defeito Fundamental. Lembro-me dele sempre que encontro alguém que cresceu com a convicção de que não foi suficientemente amado - e isto quer seja uma camponesa analfabeta ou um engenheiro - porque encontro sarilhos. Toda a vida vai querer compensar o que não pode ser compensado. Mas pior, muito pior, são as tais separações em relações filiais que estavam aparentemente bem. São brutais ainda que silenciosas, duradouras apesar da ignição ordinária
Quando uma mãe ou um pai se afastam de um filho, ou mais vulgarmente o inverso, é de um ajuste de contas com o passado que se trata. É como se cada um recapitulasse a trama, as esperanças, as mágoas mais mesquinhas. Cada elemento do par agora separado tem um bom motivo para culpar o outro pela nova situação, mas sobretudo sabe encaixar esse motivo na história. Como se outra coisa não pudesse deixar de ter acontecido. É aqui que a separação filial, ao contrário (?) da dos amantes , se torna brutal, porque a-histórica.
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