A RESPOSTA DE SÓCRATES: DO IDEAL AO POSSÍVEL: O Paulo Gorjão acha que José Sócrates esteve "bem, muito bem", na entrevista com Judite Sousa, quando foi confrontado com as insinuações de Santana Lopes. Eu acho que Sócrates esteve relativamente bem.
Esteve bem ao criticar o "tom brejeiro" e o despropósito das afirmações de Santana. Esteve bem no tom, na firmeza comedida, na explicação do seu silêncio sobre o assunto e das razões para o quebrar hoje.
Mas não esteve bem ao deixar passar a mensagem de que a indignidade estava no conteúdo das insinuações. Insinuar que o líder de um partido rival é homossexual não a mesma coisa do que insinuar que essa pessoa cometeu um crime, ou que fugiu ao fisco, ou que deixou de cumprir os seus deveres cívicos - essas sim, afirmações que importa discutir na praça pública. A indignidade está logo na escolha do âmbito das insinuações - a orientação e as preferências sexuais do visado.
Já aqui escrevi, há um tempo atrás, que a invasão dessa esfera última da privacidade só é juridicamente lícita quando se trate da investigação de um crime, ou de comportamentos que, de tão inconsistentes com a acção pública da pessoa em causa, ponham definitivamente em crise a sua credibilidade para o exercício das funções que exerce ou a que aspira (o caso clássico do político que faz campanha pela criminalização da prostituição e frequenta, ele próprio, bordéis). Creio que o mesmo raciocínio vale no plano da etiqueta política.
Assim, faltou a Sócrates a coragem última de afirmar, pura e simplesmente, que as suas preferências sexuais, sejam elas quais forem, não são tema de discussão política e que a indignidade está, precisamente, em acicatar a curiosidade mórbida associada à vida sexual das figuras públicas. Explicando às pessoas a manipulação infantil que o PSD (já agora, convém lembrar que Santana não é o único culpado) procurou levar a cabo.
Essa seria, em minha opinião, a resposta perfeita. Mas compreendo que, em tempo de eleições, fosse pedir demais. Por isso, à vitimização provocada pelo boato, somou-se o sacrifício de ter de vir a público expor a própria orientação sexual. Espera-se que o PSD se considere satisfeito.
Concordo com Paulo Gorjão e, paradoxalmente, com a ideia subjacente ao postal de que Sócrates «esteve bem, muito bem» na reacção às insinuações, porque ao contrário da leitura de PC, não me parece que tenha visado o conteúdo mas o objecto das insinuações. Ideal mesmo seria conseguir não descer ao contraditório sobre a sua vida pessoal, porque, ao que sei, Sócrates nunca a utilizou como argumento político não tendo de a discutir na «praça» pública. Também me parece que o porta-voz Silva Pereira no confronto na SIC com um dos mais adequados representantes de Santana e Jardim, o sr. guilherme silva, esteve mal quando se preocupou em reagir à não verdade das insinuações sem sequer atentar devidamente que o que é mais grave é a cobarde menção da vida intíma dos outros como argumento político. E é neste nível que as questões têm de se colocar: é muito perigoso para a democracia o debate político desviar-se para o terreno da vida sexual dos adversários - para além de me parecer também muito mau usar o argumento da sua (boa ou «adequada» aos padrões) vida sexual, directo ou indirecto como sucede muitas vezes com a presença em alguns candidatos da trindade Deus, Pátria, Família.
Acho espantoso que um blogue normalmente sereno, e que evita os debates do diz que disse, morda o isco do debates e dramatização políticos criado sobre boatos e rumores. Apreciei a vossa atitude contida no processo Casa Pia, mas agora talvez o calor seja muito e não se aguentem sem comentar situações tristes. O mais curioso é que ninguém se dê conta que, ao falar do assunto, mesmo para contestar supostas insinuações, estão a ampliar o efeito dos rumores e da boataria. A caucioná-los, ainda que involuntariamente. Mas enfim, se o próprio eng. Sócrates sente que deve (ou que lhe é útil e/ou necessário) falar do assunto, quem são V.Exas para se conter ?
Ao P.D.M. (que aproveito para saudar muito calorosamente!): de facto, pareceu-me que Sócrates mostrou um ar ofendido com o conteúdo das insinuações, mais do que com o seu objecto. De resto, penso que estamos de acordo quanto ao fundo: era melhor não ter descido ao exercício do contraditório. Ao leitor anónimo que manifestou espanto: trata-se aqui de opinar, não sobre os boatos ou insinuações, mas sim sobre as regras a que deve obedecer a luta política. Esse é um assunto de todos. Compreenderia a sua crítica se alguém tivesse escrito para contestar os boatos, ou para lhe contrapor outros. Acho que não foi o caso. A "contenção", nestes casos, pode levar a que digam dos "contidos" o que alguém escreveu sobre a ética kantiana: teria as mãos impecavelmente limpas... se tivesse mãos.
Caro PC: O meu comentário destinava-se apenas a tentar mostrar (sem sucesso, por meu demérito) uma contradição insanável na atitude deste blogue e do seu post em especial - Se se critica o Eng. Sócrates por contestar a veracidade de boatos e não por afirmar o princípio da inviolabilidade da esfera privada e/ou íntima, deve-se evitar ampliar o efeito que os boatos e rumores têem. Bem sei que esta é uma questão difícil. Temo, no entanto, que os sentimentos e opiniões fortes provocados pelo primeiro-ministro incompetente que temos transmitam uma percepção errónea de que se deve comentar o que não devia ser sequer mencionado. A não ser que me diga que um texto escrito tem o mesmo valor e grau de exigência de uma conversa de café ou entre alcoviter@s. E já agora, não acha estranho que sejam as supostas vítimas dos boatos as que mais falam sobre o assunto ? Não acha que mais pudor sobre o assunto deveria ser a reacção de quem se sente vítima ? Compare a atitude do Dr. Portas (alvo há anos de insinuações semelhantes) com a do Eng. Sócrates. Eu não voto nem nunca votarei no Dr. Portas. Votarei PS desta vez, mas gostava que o sopro de dramatização e entusiasmo para uma maioria absoluta fosse alicerçado noutros argumentos que não a vitimização forçada e ampliada. Critica-se (e bem) PSL por se vitimizar de forma quase paranóica mas à primeira oportunidae, age-se da mesam forma. Por último, não é preciso ter mãos para lançar gasolina numa fogueira. Basta um pontapé bem assente no bidão.
Caro leitor anónimo: permita-me que insista que o demérito não é seu, mas do próprio argumento. Vamos por partes: 1) Este blogue não tem "uma atitude". É um sítio onde escrevem pessoas muito diferentes, que assumem responsabilidade individual pelos seus escritos. No caso Casa Pia, todos concordámos que não era adequado comentar aqui as vicissitudes do processo, pelas razões que já várias vezes explicámos. 2) Não acho que haja uma "contradição insanável" no meu post: afirmar que preferia ter ouvido uma resposta algo diferente de José Sócrates não amplia o boato. De outra forma, o argumento seria reversível: o seu commentário também teria contribuído para ampliar o boato. Ora, eu não acho que assim seja. O boato, ou como quisermos chamar-lhe, atingiu a sua amplitude máxima na entrevista dada por Sócrates. Não foi certamente o que se escreveu no Mar Salgado após esse momento que trouxe uma novidade a alguém. Por outro lado, insisto que o objecto do meu post é a crítica de regras de luta política - e não deixarei de o fazer por o assunto subjacente ser do tipo que é, sobretudo quando atingiu uma notoriedade pública geral. 3)Não acho estranho que as vítimas dos boatos falem sobre o assunto: acho natural e legítimo. Respeito a opção tomada, na altura, pelo Dr. Portas. Mas não é a única moral e politicamente legítima. Aliás, lembro que o Dr. Portas foi alvo de afirmações proferidas por uma pessoa, por sua própria iniciativa e responsabilidade, e que o PS reagiu publicamente às ditas insinuações (Guterres retirou a confiança política a Candal). Cenário que é, concordará, bastante diferente do que ora se presenciou. 4) Por último, acho que Sócrates manteve o silêncio, e não se vitimizou, até ao limite do exigível. Continuo a entender que fez bem em ter falado sobre o assunto, embora se tenha perdido uma oportunidade de ouro para dizer o que realmente importa. Mas, como disse no post, compreendo que fosse uma opção difícil. 5) Obrigado por este excelente momento de troca de ideias. Espero que se repita no futuro - de preferência sobre assuntos mais agradáveis.
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