VELHOS AMORES: De repente senti que era necessária, lembrei-me dela numa fracção de segundo e de imediato fui procurá-la. Encontrei-a na garagem, no chão, caída, meio abandonada (quem a terá deixado assim?...). Levantei-a, fiz-lhe uma festa larga, suave, limpei-a, vi se estava bem, cuidei dela. Olhei-a de frente. Está, naturalmente, mais gasta, mais velha, mantendo no entanto a mesma beleza. Não tem as cores modernas, garridas, antes parecendo vir de um filme a preto e branco (acaso não estivesse um pouco desbotada). Mas é natural porque foi uma vida de duras lutas.
E enquanto a mirava e a recuperava recordei-me de todos os momentos que passámos juntos. Bons momentos. Alguns em criança, altura em que ela era mais alta do que eu e me protegia dos comunistas. Hoje, ambos com 70 centímetros acima do metro, estamos já da mesma altura, mais vividos, mais crescidos. E cheios de recordações. Inúmeras vezes me serviu de apoio, quando, cansado, cambaleava de sono. Salvou-me muitas outras. Tirava-me o medo, dava-me coragem. Ainda hoje me recordo que, se não fosse ela, uma súcia de socialistas me teria surrado violentamente na altura em que apelidavam de fascistas os que apoiavam aquele que agora os apoia e os deixa orgulhosos por esse facto. Mas ela estava sempre ao meu lado, dava-me força e impunha-lhes respeito: nunca a larguei nem nunca me largou e de mãos dadas enfrentámos corajosamente a multidão ululante (alegadamente democrática e fixe) que nos queria linchar.
Viajámos muito, primeiro por toda a Coimbra. Depois para o Porto, em 95, onde se viveram momentos deliciosos. Mais tarde ainda nos fomos vendo, de tempos a tempos, mas a profissão separava-nos e já não estava com ela há três anos. Foi numa maravilhosa noite de Março que nos encontrámos pela última vez e juntos festejámos ardentemente o momento. Mal sabia por onde tinha andado, desde então. Até que hoje senti que precisava dela outra vez e fui procurá-la. Encontrei-a, limpei-a e até me apeteceu beijá-la. Mas deixei-a a descansar, prometendo-lhe para amanhã uma farra das antigas: vou com a minha velha e querida bandeira do Partido do Centro Democrático Social ao comício do Palácio de Cristal, para bem de Portugal.
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