AINDA AS COIMAS: Relativamente à análise feita pelo nosso P.C., resta acrescentar ( sem pretensões no plano jurídico, obviamente) uma ou outra coisa; Quando os outros somos nós, ou seja, quando é o nosso filho ou a nossa mulher que são atropelados por um condutor alcoolizado e em excesso de velocidade numa passadeira junto ao liceu, lamentaremos que o código não seja ainda mais punitivo: que o tipo fique sem conduzir ainda mais tempo e que a coima seja ainda mais elevada. É sempre o problema da impessoalidade ( julgo que era Nagel que apreciava esta lente) do ponto de vista. Mas o sentido civilizacional do post do nosso P.C., parece-me, ainda que impopular em tempos de ataque à guerra na estrada, acertado. Não acredito na eficácia brutal de uma legislação fortemente punitiva. Acredito apenas numa eficácia mitigada, porque os regularmente selvagens na estrada jogarão sempre com as probabilidades: "em tantos, não serei eu o apanhado". Enquanto a conexão entre a desejada extinção do comportamento assassino ao volante e o sentido de humanidade, for feita apenas pela probabilidade de se ser o sujeito (é assim que se diz?) da coima, estamos mal. O reforço negativo do comportamento assassino ao volante ( ou seja, a sua tendencial extinção), se compararmos com outras realidades comportamentais, só se alcançará pela dissuasão e pela cultura. A dissuasão obrigará a um mais desconfortável cálculo das probabilidades - muitas câmaras, muitos radares - não significando isso nenhuma realidade orwelliana, porque o interior dos carros, que eu saiba, não é perscrutado; mas também um ambiente responsabilizador do sujeito será necessário, tal significando estradas e sinalização quase perfeitas. Sim, quase perfeitas, leram bem. No plano cultural, a coisa teria de caminhar no sentido de alterar as representações associadas ao comportamento rodoviário negligente: ordalismo ( o perigo é giro), pseudo-masculinização ( eu sou John Wayne o meu carro é o meu cavalo), para dar dois exemplos. Como é que isto se faz? Como se fez noutros processos de mudança de atitudes: no uso do preservativo e na honestidade fiscal. Riam-se se quiserem, mas a verdade é que as coisas começaram a mudar nestes dois campos. E isto faz-se com a inclusão na linguagem política, artística, mediática, da condenação das representações mencionadas. Ponham o pessoal do Gato Fedorento a ridicularizar os aceleras e os grunhos do volante durante seis meses, e depois digam-me qualquer coisa.
ÚLTIMA HORA: Estudos conduzidos pelo Dr. C.Orno Manso do Instituto de Parapsicologia e Medicinas Alternativas comprovaram que o uso de preservativo e honestidade na declaração fiscal são potenciadores de um comportamento urbano e rural na condução de viaturas automóveis topo de gama. O referido estudo foi demonstrado através da utilização, em ambiente MS-DOS, de coelhos albinos e focas amestradas. C.Orno Manso vê o comportamento humano como um fenómeno social ligado, nomeadamente, ao estado de coesão da sociedade. Para o autor (Manso.1969:25) cada sociedade predispõe em maior ou menor grau os seus membros para a infracção, sendo esta de uma maneira geral voluntária, pessoal e intransmissível.
in MANSO, C.Orno (1969) Cadernos do Carvalho Conimbriga: Editorial Munda, 555p. Brochado
Gostaria muito de acreditar que a cultura e a supressão, através dela, de certos comportamentos estereotipados fosse suficiente para fazer parar os excessos suicidas que muitos cometem. Gostaria de acreditar que o sentido de humanidade fosse o móbil desta mudança comportamental e não simplesmente o medo de ficar sem carta ou de pagar uma multa. Que os condutores se respeitassem a si mesmos e aos outros pelo respeito que eles e os outros merecem e não porque está escrito no código. Salvará a cultura mais vidas que a dissuasão? Ou a questão não está no número de vidas que se salva, mas sim no móbil que levou à salvação dessas vidas? Poderá a longo prazo o móbil dar mais frutos que o número?
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