MENOS UM: Quando perdemos alguém, a primeira coisa a fazer é afixar de novo o preço do pão, como nas cidades bombardeadas. Significa isto conseguir sair da cama, voltar a trabalhar, a fornicar, a ver futebol, a cuspir para o chão. A rotina instala uma ordem preciosa, a única que temos. As fotografias, as pastelarias nas quais com ela bebemos um café ou a ele lhe compramos um bolo, essas salgas podem bem esperar. Por vezes, é muitos anos depois que desejariamos poder falar com quem perdemos. Então, raspamos anos de empáfia e aceitamos a derrota. Porque é que já não dói tanto? Pela complexa razão que então, somos outros. Já não somos quem perdeu, somos quem reconstituiu. Músculo após músculo, palavra atrás de palavra, a nossa vida já é outra coisa. Nessa altura, ao volante ou a pé, lembramo-nos do que ele ou ela nos diria: não interessa, já não nos podem ouvir. Somos sempre uma subtracção, o que só descobrimos a espaços.
Sei-o muito, muito bem, e já aqui o escrevi diversas vezes; é nesse sentido que digo que "reconstituimos", que a nossa vida "já é outra coisa", obviamente adicionada da perda. Inevitável. Mas o post ia noutro sentido. A subtracção, o que perdemos, com o tempo coloniza territórios que a certa altura se autonomizam: já não nos ouvem. Um abraço.
Não, Filipe. Não somos subtracção. Somos sempre mais qualquer coisa. Quando perdes também ganhas. Ganhas a perda, a ideia de perda e a vida COM perda. Ganhas a capacidade de ir comprar o pão com a presença da perda.
Há uma tristeza sedutora, poética, bela, quase irresístivel, nessas palavras. Se forem verdadeiras, no fim, somos apenas territórios despovoados. Vazios, silêncios, ausências. Mas não somos, pois não?
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