MORRER E SER MORTO II: Vai-se crescendo e percebendo a terrível realidade humana que criamos. Parece que no futuro não morreremos. Não quero com isto dizer que vivamos eternamente neste mundo terreno mas apenas que não morreremos: seremos mortos. Por quem, como, quando, continuam a ser as nossas dúvidas existenciais, mortais. Quando será não quero saber. Como, espero que seja desligando uma tomada. Não estou para morrer de fome ou de sede (para isso já me basta esta dieta terrível). Não me desagradava o tiro na nuca vietnamita (deve ser melhor do que morrer de fome). Até o gás hitleriano deve ser melhor do que a fome e a sede. Uma injecção não deve ser má de todo. Já o choque eléctrico me deixa alarmado, pelo que leio nos livros e vejo nos filmes.
Pode ser que no futuro a imaginação humana encontre algo excelente, algo de maravilhoso entre a marretada na cabeça e a morte pelo frio e que nos seja agradável. Que seja sobretudo satisfatório para quem nos fornecer a morte. Até lá, e na impossibilidade - pelos vistos inevitável - de morrer naturalmente, na cama, de velhice ou de doença, espero que me matem desligando a tomada. Mas nunca de fome ou de sede!
Resta saber quem é que me matará. Cá em casa já me disseram que se não o fizeram até agora, também não o farão no futuro (posso dormir descansado). Também não estou a ver nenhum cliente a matar-me. Pode ser que me matem de trabalho, mas não é essa seguramente a sua intenção (se for, que no dia anterior lhes tenha ferrado uma valente conta). Tenho medo de no futuro vir a ser morto, anonimamente, por decreto («determine-se a morte a todos os doentes terminais do corredor X do andar Y do Hospital H»), ou por sentença desfavorável transitada em julgado (o meu pior pesadelo! Que horror vir a morrer do meu o pior pesadelo!...).
Ainda não me sinto completamente velho, mas começam-me a assustar as conversas de brincadeira que tinha em criança sobre a morte. Ou, melhor: começam a assustar-me as conversas sérias dos adultos de agora sobre a forma de me matarem quando eu me sentir completamente velho. Ou quando eles me sentirem completamente velho.
Post Scriptum: Desejo à rapariga norte-americana uma vida eterna e totalmente feliz.
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