MORRER E SER MORTO: Parece que lá mataram a pobre rapariga norte-americana. Segundo percebi, havia duas correntes: uma que dizia que a infeliz queria morrer, outra que assegurava que não. Por qualquer motivo que não consigo descortinar, na dúvida, venceu a primeira. Não segui de perto as notícias mas dizem que a mataram à fome e à sede. Deve ser horrível morrer à sede; à fome nem se fala. Em novos, por brincadeira, discutíamos muito qual seria a pior forma de morrer, se queimado, se afogado, se caindo de um enorme precipício. Parece que nesta última hipótese se tem um ataque cardíaco antes de nos esborracharmos no chão (antes assim, sempre pensei que aqueles últimos três metros antes do chão deveriam ser assustadores). Nunca me fascinou muito a ideia de morrer queimado. Eu sei que se morre por asfixia mas as dores das queimadoras não serão seguramente agradáveis. Então morrer afogado... deve ser desesperante pois deve-se sentir tudo, todo o perecimento, todo o desaparecer lentamente da vida. Diz-se que morrer de frio não é mau de todo, parece que dá um adormecimento final acalorado, o que é agradável numa situação do género. Deve ser bom, morrer com uma sensação simpática de calor, de colo materno. Curiosamente não comentávamos a possibilidade de morrer à fome ou à sede, talvez porque não pensássemos nessa horrorosa possibilidade. E se não pensávamos na possibilidade de se morrer à fome e à sede, muito menos pensávamos na (mais abjecta) possibilidade de se ser morto à fome e à sede.
Em boa verdade, diga-se que pensávamos na morte, não em sermos mortos. Pensávamos numa queda infeliz de um precipício, não em sermos atirados dele; pensávamos em morrer num incêndio acidental, não num fogo posto; imaginávamo-nos num trágico naufrágio, nunca numa mão assassina que nos afogasse na banheira. E nunca, nunca nos lembrámos da possibilidade de alguém nos fechar num quarto e nos deixar de dar comida e bebida. Quem faria tal monstruosidade, deliberadamente? (cont.)
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