NO FIM SOMOS APENAS TERRITÓRIOS DESPOVOADOS: Quem mo diz é o/a comentador/a do meu post "Menos Um". Talvez fosse essa a minha intenção, a de descrever a palentologia da memória como a de uma disciplina do desperdício; o que fica é para ser desenterrado ( formulação clássica ) ou descodificado ( tradução actualizada). Seja como for, o problema do despovoamento mantém-se: as perdas são sempre mais pontuais/regulares do que as reconstituições. É como se houvesse sempre algo de mais poderoso na memória do que se perde do que no rigor do que se ganha. Um tipo tem por exemplo, cinquenta anos, e perde o pai. O que pode ele fazer, na vida que lhe resta, para compensar essa falta? Nada. Mas se a uma criança lhe morre a mãe aos sete anos, tem a vida toda à sua frente? Pois tem, mas sem mãe. Ou seja, com a biografia limpa de cobertores entalados, reuniões de pais, férias na praia besuntadas com creme factor de protecção 30. Territórios vazios, qualquer que seja o balão panorâmico que utilizemos.
Um prazer trocar ideias consigo. A alternativa à subtracção não é apenas ficarmos sentados à espera da morte, se bem que isso até me pareça mais agradável do que procurá-la incessantemente, ou, pior, imaginar que ela não chega. Compreender a subtracção contínua, mais nuns casos do que outros, certamente, implica compreender a disposição dos planos: o que cá está e que julgamos nosso e intemporal, só nos foi emprestado. De certa forma ( isto vai mudando, compreenderá...), a vitória é o uso que fazemos do amor às coisas, e as grandes perdas explicam-nos se as usamos bem ou mal. O território despovoado - uma fotografia nossa ao lado de quem já não poderemos voltar a tocar e que já não nos ouve - é um retrato de uma expedição solitária.
"É como se houvesse sempre algo de mais poderoso na memória do que se perde do que no rigor do que se ganha." Isto eu percebo. Perder dói. E a memória da dor é poderosa. Mas insisto, a ser verdade a inelutabilidade do despovoamento, então mais valeria sentarmo-nos e morrer, pois a perda é inevitável por muito pouco que se tenha. A questão está em saber o que é que se faz com a perda. E este "saber" não é um saber técnico, racional, objectivo. E suspeito que quem não o tem dificilmente o aprende. E nem todos o temos. E então, esse sim é um território despovoado. Ab initio.
Quer dizer que nos é emprestada uma fatia de intemporalidade para depois nos ser tirada, perda a perda, até ao despovoamento total?
Mas não estará depois a dizer que resgatamos a intemporalidade pelo amor (pelo uso do amor, diz)? Talvez estejamos então de acordo. Mas não estou a falar (apenas) do "amor romântico". Estou a falar do gosto por, de e para tudo o que nos é exterior. É, talvez, o "saber" de que falei antes. E assim, resgatando a intemporalidade - não por passarmos a possui-la mas por lhe passarmos a pertencer - fazemos a nossa expedição, sempre solitária, mas nunca em território despovoado.
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