NEVOEIRO: Na TSF está a discutir-se a relação entre a "poderosa indústria farmacêutica", como Carlos Pinto Coelho a designa sempre, o que nos faz suspeitar que se ela fosse uma "pobre indústria", seria mais respeitável. A certa altura, um dos intervenientes, julgo que um médico, diz isto: " eu estou à vontade para falar, sou virgem, nunca jantei à custa de ninguém". Bom, eu não sou virgem "nisto", em novinho tive amigas e namoradas bem mais velhas que me ofereceram belíssimos jantares. Mas a nota vai para a hipérbole: este tipo de discurso neo-calvinista destina-se a confundir propositadamente o público. O problema excede a minha capacidade argumentativa, mas sublinho a artimanha retórica: um jantar ( ou uma caneta) em acção de relações públicas, não vale o mesmo do que uma lista de clínicos bons prescritores, remunerados (in)directamente em função dessa prescrição, independentemente das necessidade reais dos doentes.
Se o dito indivíduo acha que jantar à custa de uma empresa farmacêutica é o mesmo que ser subornado para prescrever apenas certos medicamentos com patente registada é, de facto, "virgem", desconhece os prazeres da boa mesa, desconhece a diferença entre publicitar e subornar. Quando me oferecem canetas, chocolates, bebidas, seja o que for, em feiras, apresentações, colóquios não me considero subornada, considero-me, quanto muito, persuadida ou informada. A diferença entre um suborno e a publicidade ou as acções de "relações públicas" é que as segundas não me obrigam a dar nada em troca: é uma acção unilateral. Informei-me, acho bom, compro ou prescrevo. Informei-me ou informaram-me, acho mau, não compro nem prescrevo. E não é por me oferecerem um jantar, uma caneta, um corta-unhas, uma gillete que vou passar a dizer "informaram-me, acho mau, prescrevo porque me pagaram o jantar e me deram uma caneta vermelha duma colecção que eu ainda não tinha".
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