WEBLÂNDIAS: O artigo foi publicado no passado mês de Dezembro, no American Anthropologist ( vol 106, No4, pp651-662), e tem como título "The Vulgar Spirit of Blogging: On Language, Culture, and Power in Persian Weblogestan". O autor, Alireza Doodstar, partiu de uma polémica na blogosfera iraniana ( "weblogestan") para fazer uma análise com todos os matadores dos area studies/cultural studies ( vai buscar Geertz e os seus estudos sobre as lutas de galos no Bali!), da matriz genética do discurso do blogger. Partiu de Bakhtin, e do seu conceito de "género/estilo discursivo" ( speech genre), para desenhar a linguagem do blogger como um género discursivo próprio. A polémica na blogosfera iraniana começou porque um conhecido blogger, Derakhsan, criticou a afirmação do seu compatriota Shirin Ebadit ( laureado com o Nobel da Paz) que entende o Islão como compatível com os direitos humanos. Um outro conhecido blogger, um jornalista e crítico literário, Reza Shokrollahi, caiu-lhe em cima, e no seu blogue criticou severamente Derakhsan, utilizando-o como um exemplo da vilania da blogosfera. Shokrollahi disse que o "weblogestan" é um local onde a língua persa é maltratada ( ponto importante no seu argumento), e onde indigentes de toda a espécie se arrogam do direito de escrever o que lhes apetece, sem respeito pela forma ou pelo conteúdo; a vulgaridade ( ebtezaal) é o ponto central do argumento de Shokrollahi, que se furta às acusações de censor ( como se rareassem por aquelas bandas), publicando no seu próprio blogue excertos de novelas erótico-vulgares proibidas pelo regime. O autor do artigo, Doodstar, faz uma excelente análise da estrutura discursiva da blogosfera, mas não avança muito para além das conhecidas leituras da utilização da linguagem como forma de dominação cultural e política ( basta ler Orwell ou Wittgenstein para o compreender). Por outro lado, alinha algo incompletamente o argumento de Bakhtin: sublinha a matriz identitária de cada forma de expressão e a sua correspondente codificação no contexto da própria expressão, mas poderia ter ido mais longe, por exemplo até ao que Bakhtin designava por "singularidade temporal e espacial da expressão". E aí seria interessante especular sobre a evolução da "vulgaridade" da blogosfera iraniana. Resta que este debate, aplicado à blogosfera portuguesa (a webtânia?), tem pontos em comum. Também por cá, a reacção de muitos literatos e autoridades comunicacionais do regime, consistiu inicialmente em ostracizar os bloggers, desdenhando a mania que estes têm de escrever(?) sobre tudo e nada. Os jornalistas, esses, fizeram diferente: entraram na webtânia, marcaram terreno e festejaram. Do meu ponto de observação, este debate iraniano é excitante porque armadilha o terreno da discussão sobre a resistência do Islão anti-moderno às práticas culturais ocidentais. São os próprios iranianos que adequam a blogosfera à sua predisposição para enfrentar questões de regime e de civilização. E é bom não esquecer que já existia Pérsia muito antes de nascer Maomé...
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