FUTEBOLÂNDIA II: Aqui na nau, o nosso P.C. também partilha com JPP a náusea pelo excesso de consumo do futebol sem bola: os debates, as peças intermináveis sobre o joelho do Mantorras, as manifs, as arruaças, as intrigas de vão-de-escada. Mas porque razão estas coisas são tão populares em Portugal? JPP ( e suspeito que também o meu amigo P.C.) responde: porque espelham o nosso atraso civilizacional e - não o diz claramente mas percebe-se - porque ajudam a prolongá-lo. Aqui bate o ponto, a que aludi no post anterior. Penso que JPP está excessivamente preso à ideia de uma TV -informativa fazedora dos gostos culturais da multidão, e portanto acredita que a regulação televisiva ajudaria a melhorar o nosso atraso civilizacional; de outro modo não se compreende o argumento. A minha discordância baseia-se no facto de eu entender a televisão como parte do atraso: os portugueses, até há bem pouco tempo, eram o segundo povo da UE que mais televisão consumia e o que menos livros lia. Os conteúdos televisivos, por exemplo a forma escatológica como abordam as tragédias nacionais, reflectem o lugar da TV: uma sucessão de imagens e de sons sem qualquer relevância, cujo único objectivo é permitir ao espectador identificar-se com o que vê. Se o espectador é pobre e atrasado, tem de se identificar com pobres e atrasados. JPP argumenta: mas precisamente porque assim é, é que a TV deveria elevar o nível. Não. A TV é, num país pobre e periférico, o meio predilecto de consumo do espectáculo. A possibilidade seria, penso isto há anos, investir em zonas que a TV não possa apresentar mastigadas e desossadas. Criar o hábito de gostar de outras coisas - livros, cinema, música - confiando que as pessoas se comecem a interessar. Nesta altura o leitor deve estar a dizer: "isso é muito bonito, mas como é que se faz?". Não sei como se faz, mas sei como não se faz. Não se faz optando por construir dez estádios de futebol num país no qual a segunda cidade não pode receber decentemente uma ópera; Não se faz promovendo um cinema que não tem um punhado de bons filmes dedicados às suas principais figuras e/ou situações históricas ( alguém já viu um filme sobre Aljubarrota, Aristides Sousa Mendes, Viriato, Garcia da Orta, Eça de Queiroz, entre tantos outros?) mas que todos os anos fabrica películas em torno da "solidão urbana", da "sexualidade", etc. Não se faz estimulando a ideia que "elite", "autoridade" e "intelectual" são termos injuriosos, que todos somos igualmente "bons" ou "porreiros". Sobre o imenso e vazio esforço mental, a bola televisiva inscreve uma realidade amável ( literalmente) e inteligível: festarola e cuecas à mostra. Como poderia de ser outra forma?
Meu caro Filipe Nunes Vicente: Sendo você um dos "bloggers" que mais aprecio, não posso desta vez deixar de lhe colocar um comentário. Como o tema justificaria grandes considerações limito-me a dois pontos. Um, da ordem do discurso - uma coisa é a arrogância e o desprezo pelo fenómeno de massas que é o futebol, tipo JPP, outra é a contaminação generalizada da informação por um "futebolês" de valor informativo inútil mas de efeitos mediáticos culturais acrescidos, estilo "Bancada Central", "flash-interviews" ou aquelas extraordinárias declarações "o nosso objectivo é ganhar", etc. Outra, tem a ver com os paliativos que defende; têm todo o cabimento linhas de documentário com participações televisivas e até ligadas a programas educativos com exemplos como os que sugere - coisa bem diferente é supõr que os autores portugueses, neste caso cineastas, teriam de estar condicionados por um programa prévio. Isso seria dirigismo e de modo nenhum uma concepção liberal, pelo que suponho ter sido uma formulação menos ponderada da sua parte. Com toda a estima, creia-me,
Eu concordo com tudo o que escreveu, mas sabes quanto custa um livro, o preço de um bilhete de cinema? Então imagine para a grande maioria do portugueses que vivem no limiar da subsistencia, para eles, acredite é mais fácil, cómodo sentar-se em frente ao televisor e alienarem-se dos seus problemas e projectarem-se nas personagens cor de rosa que tem vidas de sonho. É bom queremos um país melhor, mas temos de ter em conta a realidade dos nossos conterrâneos.
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