A FUTEBOLÂNDIA: Pacheco Pereira, que estimo e do qual sou leitor regular, fez esta semana, no Abrupto e na Quadratura do Círculo, uma críica mais acerba do que é habitual, ao exagero futebolístico em Portugal. Para aqueles que estão a adivinhar a minha discordância apenas porque sou do Benfica, aviso desde já que estou de acordo, na generalidade, com a linha argumentativa de JPP. Mas existem alguns pro-buleumas, no sentido literal ateniense. JPP misturou dois contextos: o estúpido excesso de cobertura televisiva das festas, boçais e primárias ( estou à vontade para falar, porque participei numa e não para ser filmado), e a violência endémica associada aos espectáculos futeboleiros, por um lado; a suposta especificidade portuguesa por outro. JPP falha acaloradamente na intersecção destes dois planos. Na Alemanha, na Bélgica e na Holanda, por exemplo, a violência organizada em torno de desafios de futebol mobiliza recursos, esses sim adjacentes a uma guerra civil; Constituem verdades óbvias duas coisas: nem nesses países as TV's dão o espaço ao fenómeno festivo que dão em Portugal, nem o sucesso da prevenção desses focos de guerra civil é minimamente atingido. Ou seja, nesses países, culturalmente luteranos, a violência dispensa a festa, logo esta não pode ocupar o espaço mediático. JPP engana-se ( não se pode saber tudo) na comparação análise da violência futeboleira lusa com a europeia. Onde não se engana é na denúncia, malgré tout, da existência de uma agressividade malsã no psicodrama futebolístico português. E tem toda a razão na acusação de complacência que faz às autoridades portuguesas: ano após anos, meninos dos principais clubes partem, queimam e intimidam com a mesma frequência com que os seus rostos aparecem escarrapachados nos jornais e nas TV's. Mas o que a indignação de JPP deixa transparecer é sobretudo outra coisa: o espaço mediático ocupado pelo futebol e a sua associação ao nosso atraso civilizacional. Evidentemente, a associação é meritória, mas curta: levada ao extremo, muitos dos valores civilizacionais que JPP habitualmente defende iriam pelo cano: a desigualdade natural, a luta contra "a orientação pelos iluminados", etc. E a preocupação de JPP é sobretudo com a TV, porque está ainda preso, do meu ponto de vista, a uma concepção excessivamente popperiana da regulação dos comportamentos da responsabilidade da caixinha mágica. JPP ainda exibe resquícios do modo de pensar do intelectual ( eu sei que ele prefere o termo "erudito") dos anos 60/70, que tendia a sobrevalorizar o poder da televisão; o pessoal da Internacional Situacionista ficou fascinado/indignado com a imagem divulgada em Outubro de 1967, num canal holandês, do peito nu de uma mulher:
"Na sua crescente afoiteza, os peritos dos meios de formação de massas pretendem revelar ao gado que os contempla uma verdade, segundo julgam, que de outra maneira esta gente nunca veria; e gabam-se da contribuição dada para o progresso cultural destas multidões que eles estão convencidos de terem reduzido a uma passividade definitiva e absoluta".
Espanto-me com o facto de que logo JPP, queira mudar o país através televisão e não apesar da televisão.
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