(MAIS) INTENDÊNCIA ESPADIANA: Nada a fazer, sai mais um número. Desta vez, no Expresso de hoje, João Carlos Espada ( ex-director de publicações da extinta UDP, agora incluida no Bloco de Esquerda ), debita a nota da praxe sobre a "polémica da educação sexual" em Portugal. JCE insurge-se contra os "bárbaros" e defende "o direito das famílias a educarem os seus filhos com padrões civilizados". No meio de tanto que se escreveu, de um lado e de outro, esta frase é aparentemente inofensiva. Entre outras razões, se eu não tivesse passado os últimos quinze anos da minha vida , 80 horas por mês num gabinete, a ouvir histórias de pessoas, também seria tentado a considerá-la inofensiva. O que são padrões civilizados? Na história recente da sexualidade, e seguindo Larkin, só houve dois momentos: antes e depois dos anos sessenta. É certo que bem antes, Reich e Freud molharam a sopa, mas não disseram nada que Ovídio não tivesse já dito: somos, salvo fugazes momentos, escravos do prazer. Os últimos quarenta anos trouxeram em levas descontínuas, mais da mesma cartilha, mas com uma diferença: existe agora, para psicólogos e juristas recalcados, uma base política para a libertação sexual, uma espécie de cidadania dos genitais. O sexo passou a ser tão misterioso e obrigatório como o código da estrada. Ora, contra isto, JCE e muitos outros contorcem-se de indignação: têm saudade dos "padrões civilizados". Não se vê que tais padrões possam ser outra coisa que não o regresso às anilhas falo-metálicas para as aventuras puerícias masculinas, ou a soberba educação para a ignorância feminina do botão mágico. Mais adiante, talvez a cultura do amor e da fidelidade, que civilizadamente criou legiões de mulheres enxovalhadas, quando não estimulou patrulhas de putanheiros sifilíticos assoberbados de complicações neurológicas; a neurosífilis era muito civilizada, só raramente atingia professores e magistrados. Mal por mal, prefiro o código da estrada: ninguém me obriga a guiar.
Exagerei um bocado, caro Pedro Picoito, mas às vezes é preciso. O velho Freud nem tem grandes culpas: se você ler ( ou reler) "O Mal-Estar na Civilização", descobrirá um texto, para os padrões dominantes actuais, sombrio, pessimista e conservador no que toca ao prazer. O meu ponto, ligeiro na análise, é este: grande parte da euforia actual face ao sexo é filha dilecta dos "padrões civilizados". Abordarei isto mais à frente.
Não, caro Filipe, os "padrões civilizados" não são isso que diz. Não, a "cultura do amor e da fidelidade" não é apenas o que Freud e Reich disseram dela e talvez seja realmente a maior revolução sexual da história. "O amor,essa invenção do Ocidente", dizia, se não me engano, Denis de Rougemont. Entre Ovídio e os anos sessenta contam-se muitos séculos: talvez devesse prestar-lhes mais atenção. E não, não somos escravos do prazer porque não somos escravos de nada. Nem da civilização nem de Freud.
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