UMA QUESTÃO DE SERIEDADE CIENTÍFICA: A cruzada do Expresso contra..., bem, contra qualquer coisa que tem vagamente que ver com a educação sexual nas escolas continua. Hoje, a página 24 é inteiramente dedicada ao assunto, com uma notícia sobre a "voz dos pais" e sem qualquer referência ao artigo de Fernanda Câncio no DN (ver também aqui, no Glória Fácil), nem aos factos que aí se relatavam. Adiante. A grande novidade é a inclusão de uma "Carta aberta aos pais portugueses", assinada pelo PhD William Coulson, que, nas palavras do jornal, "dedica hoje o seu tempo a falar a católicos e protestantes sobre os efeitos nefastos das suas teorias", baseadas no chamado Human Potential Movement, de onde, segundo o próprio, dimanam os materiais de educação sexual portugueses. Nada a opor ao arrependimento - que pode ser até a mais nobre atitude do cientista. O problema está na forma que Coulson escolhe - num texto que não é uma entrevista, sujeita aos riscos da improvisação, mas sim um acto de contrição ponderado - para nos convencer que a sua visão de hoje é melhor do que a que defendeu noutros tempos: através de dois exemplos onde se evidenciaria a natureza perniciosa das suas teorias e da proliferação das DST, como resultado da divulgação das mesmas. Tudo parece retirado de uma daquelas cartas "não quebre esta corrente, senão...". O primeiro exemplo diz respeito a um "currículo de educação sexual baseado nos jogos de clarificação dos valores", experimentado em escolas da ordem do Imaculado Coração, na Califórnia. Em 2002, a BBC exibiu um documentário sobre o programa e, nas palavras de Coulson, o balanço que fazia era este: "O efeito da experiência foi um verdadeiro cataclismo. Em menos de um ano, 300 freiras - metade do convento - pediram ao Vaticano para serem dispensadas dos seus votos e, seis meses depois, o convento fechou as portas. Tudo o que restou foi um pequeno grupo de freiras... que se tornaram lésbicas radicais". Nem passa ao de leve pela cabeça deste senhor que provavelmente prestou um extraordinário serviço a toda a gente: às ex-freiras, que tiveram de se debater com a sua falta de vocação e superá-la; à Igreja Católica, que tinha ao seu serviço pessoas que não se encontravam à altura de cumprir os seus votos; e à comunidade, que confiava erradamente em que aquelas pessoas transmitiriam certo sistema de valores aos seus filhos. Não: o "cataclismo" reside na decisão das freiras que abandonaram os seus votos. Lamento, mas isto não é ciência. O segundo exemplo é o de uma rapariga que, tendo seguido o tal currículo, acabou por se convencer - na narração de um dos seus colegas no funeral - de que "só poderia estar segura de que as suas decisões eram autónomas caso fizesse aquilo que os adultos lhe diziam para não fazer", acabando por achar "que o maior prazer da vida era fazer o que as pessoas proíbem". Claro está, "como resultado disso, num certo dia de Março, saiu da escola num intervalo com um colega e o seu tio passador de droga. Nas margens de um rio tomou droga, foi violada e depois lançada ao rio. O corpo da criança encantadora e inteligente (ela era a chefe de turma) só apareceu três semanas depois". Não percebo - porque Coulson não dedica uma palavra à questão - como a tragédia pode ser directamente imputada a um programa que estimulava a autonomia pessoal, e não a uma má transmissão dos conhecimentos, ou a uma aprendizagem errada por parte da aluna, ou, muito simplesmente, a uma má decisão da própria. Todos sabem que estes casos acontecem diariamente a muitos adolescentes que nunca seguiram os ditos programas; mais do que isso, todos sabem que a vulnerabilidade dos adolescentes a tais riscos cresce na razão directa da sua insegurança pessoal, da incapacidade de consciencializar um padrão de valores como verdadeiramente seu, que lhes permita ordenar a sua acção, de forma socialmente adequada, sem sentirem que estão a obedecer a valores impostos. Por outras palavras, é precisamente a falta de autonomia pessoal que, pondo o adolescente entre os padrões dominantes - que o crescimento leva a contestar - e o vazio, conduz à adopção de condutas inadequadas. Por fim, imputar, sem mais, a epidemia de DSTs aos programas de educação sexual, deixa-me perplexo - mas, também a este respeito, Coulson não dedica uma linha à explicação da aporia. Portanto, o que se pedia ao PhD Coulson é que, em vez do mambo-jambo - jornal do crime - readers' digest - confissões de um arrependido que nos serviu, descrevesse em pormenor as suas antigas teorias e mostrasse depois, com o mesmo grau de "cientificidade", por que estão erradas. A não ser que as ditas "teorias" se baseassem em balelas da mesma natureza - mas isso é outro problema. ADENDA: Isto já não tem que ver directamente com o post, mas é muito curioso notar que as pessoas que reclamam a exclusividade da família na educação das suas crianças não hesitam em deitar as mãos à cabeça quando surge o corpo de uma criança atirada ao rio pelos pais, vituperando o Estado por não ter intervindo a tempo. Paradoxo? Não. As crianças que aparecem no rio moram no Bairro do Aleixo.
Parece-me que o artigo não é importante pelos fait-divers que contém. Ele é importante porque o autor (juntamente com Rogers) é uma importantíssima figura mundial da psicologia que concebeu estudos e teorias com uma enorme divulgação, teorias estas que foram levadas à prática e que depois faz uma avaliação do feed-back daquilo que ele próprio criou.
Não seria exactamente neste tipo de artigos (para grande divulgação, num jornal que não é da especialidade) que ele iria exactamente fazer um estudo denso e exaustivo, mais próprio de uma revista científica tipo Educational Psychology, completamente inacessível a 99% dos leitores do Expresso.
O que é importante neste artigo é apenas a posição pessoal de alguém extremamente competente e com gravíssimas responsabilidades nessa área.
Façamos o exercício inverso: suponhamos que Coulson tinha escrito, com veemência, contra a educação sexual nas escolas e o estímulo à autonomia pessoal. Suponhamos também que agora aparecia no Expresso a dizer, "emocionadamente", "tudo o que defendi está errado", apresentando dois casos: num, alguém desenvolve uma neurose grave (o FNV aqui pode ajudar melhor) que o dito Coulson imputa à falta de auxílio, na adolescência, à resolução da sua identidade sexual; noutro, uma jovem de 16 anos engravida por falta de informação adequada. Alguém daria ouvidos, nesta hipótese inversa, a Coulson, só por ele ter sido feroz adversário de tais ideias no passado? Creio bem que não.
Caro, Parece-me que a polémica que se instalou acerca deste assunto não está em ser essencial que os alunos tenham Educação Sexual. A questão, como noutros casos acontece, é existirem "missionários", absolutamente seguros do seu saber, que entendem formatar o mundo de acordo com as suas teorias e experimentalismos, cuja acção faz despontar os fundamentalismos opostos.
Neste caso, foi o absurdo dos conteúdos que mostrou ao senso comum que alguma coisa estava errada, pois não se vê utilidade em explicar a uma criança de 9 anos como se faz sexo oral, nem se encontram razões pedagógicas para pôr uma turma a escrever palavrões e a "inventar" sinónimos para "pénis" e "vagina", ou a "colorirem as zonas do corpo de gostam que sejam tocadas". Sinceramente, salvo os onanismos particulares dos mentores e propagadores desta teoria, não vejo aqui nada de sensato, antes pelo contrário. Claro que há sempre razões que se podem encontrar para essas vocações missionárias. Alguém tem dúvidas que esta APF, dirigida pelo sociólogo Duarte Vidal, é afinal uma máquina de facturar, extorquindo dinheiro a um Estado bacoco que se deixa ir na conversa? O IPJ paga ?40.000,00 / mês à APF para dar dicas sobre educação sexual pelo telefone, coisa que afinal, o JN mostrou que não funciona e dá respostas erradas em elevadíssima percentagem. Isto do IPJ é apenas o que já se sabe, mas haverão certamente outros "manás" do género, (claro que à conta do Estado)
Outro problema, e não menos preocupante dado o que se tem visto pelo mundo, (como recentemente na Bélgica), é correr-se o risco, ao aceitar que se invada desta forma a privacidade das crianças, elas possam der abusadas sexualmente, por exemplo por podófilos.
Não querendo parecer reaccionário, que não sou, só lamento que os espíritos missionários que se orientam com esta abnegação na "catequização" destas matérias, não se orientem antes, por exemplo, para a matemática, ou outras ciências exactas. Prestavam um bom serviço à comunidade.
Passa pela cabeça de alguém que, como diz Duarte Vidal e Machado Vaz apoia, é necessário explicar a crianças do pré-escolar como se faz a masturbação e que a dita deve ser feita "em privado" e não em público?
A Indústria do Sexo não se faz apenas na pornografia. Teorias deste género ajudam muito a encher consultórios de sociológos, sexólogos e médicos de pendor onanista, quer os públicos, quer os privados.
Resumindo : Educação Sexual, Sim, mas com base científica no saber e sensatez nos conteúdos. Cumprimentos
Não vejo porque não. Se numa determinada matéria na qual não sou especialista (e mesmo que o fosse) uma autoridade com o prestígio de Coulson que tem uma obra vastíssima com base na qual se terão desenvolvido certos passos na educação sexual faz em seguida uma radical marcha atrás com base nas conseguências e nos efeitos nefastos que essa obra teve eu, se não tiver quaiquer tipos de preconceitos e de a prioris tenho duas soluções:
numa, a versão preguiçosa, racionalizando o meu tempo disponível e pensando que não posso dedicar muito tempo a uma investigação cuidadosa dos seus argumentos, tenho que admitir, no mínimo, que este tipo de abordagens não pode ser feito de ânimo leve
na outra, a versão trabalhosa, tento seguir todos os passos de Coulson e ver se probabilisticamente, os problemas que ele assaca à sua própria teoria (e, conhecendo a mente tendencialmente narcísica dos catedráticos, um homem que diz que grande parte da sua obra é um erro monumental dá que pensar) são de facto erros ou caso em que outras variáveis entraram em jogo.
No caso que apresentas (o caso inverso) faria exactamente da mesma maneira.
Caros António Torres e Timshel: quando surge um assunto polémico, é natural que queiramos expressar a nossa opinião, mesmo que o que comentamos seja só um pretexto para tanto. Acontece-me imensas vezes e não vejo mal nenhum nisso. Agora, se repararem, eu não pretendi refutar as opiniões do senhor em causa - nem tenho competência para tal -, nem sequer pronunciar-me sobre a conveniência de existir educação sexual nas escolas ou o modo como deve ser feita. Esse é um outro problema. O meu texto diz só duas coisas: que o Expresso está a levantar uma bandeira (facto que hoje me parece pacífico); que a carta publicada não tem nada de científico. E eu tenho horror à utilização dos nomes e das profissões das pessoas para "certificar" mistificações. Eu não sei o que se passou na vida pessoal do sr. Coulson. Não sei se, pelo meio, se converteu a uma religião ou a uma seita qualquer que o fez mudar de opinião (digo bem, de opinião). Uma proposição científica tem que ser refutável; o modo como Coulson a apresenta, não é. E, portanto, a opinião dele é apenas uma opinião. Se pus o exemplo inverso, foi porque me pareceu que, nessa hipótese, o carácter mistificatório do modo como Coulson faz o seu mea culpa seria mais evidente. Cumprimentos a ambos (e ao Lutz!)
Só uma pergunta para o senhor António Torres: é pai? se é como é que lida com o - natural e generalizado - hábito da masturbação dos seus filhos pequenos? "é porcaria, não mexas aí"? Não lhe parece que é do mais óbvio bom senso explicar-lhes que não tem mal nenhum tocarem-se mas q devem fazê-lo em privado (e com as mãozinhas lavadas já agora). Acrescento um desafio: descubra-me uma escola portuguesa onde os manuais referidos pelo Expresso sejam utilizados..ficar-lhe-ia muito agradecida se o conseguisse fazer, era da maneira que não perdia por completo a minha "fé" em certa classe jornalistica portuguesa.
Para seu esclarecimento, e já que me pergunta, tenho filhos, mais exactamente - 4. Acontece que nunca senti necessidade de lhes explicar as técnicas de masturbação, nem parece que algum deles tenha manifestado a necessidade de ser alvo do que poderíamos designar como "masturbação assistida".
Pelo que deduzo do seu comentário, que agradeço, sensibilizado, a Senhora tem filhos e sentiu necessidade de lhes explicar, nomeadamente, que deviam masturbar-se em privado e nunca em público. Muito bem.
Para esclarecimento do meu espírito inquieto, atrevo-me a pedir-lhe que me esclareça como devo interpretar esse facto que refere ter sido necessário :
1. Terá descoberto nas suas crianças uma inclinação para se masturbarem em público, nomeadamente no supermercado, e foi por essa razão que lhes adiantou o esclarecimento? 2. Terá duvidado das capacidades inatas de discernimento das suas crianças, em adoptarem os comportamentos comuns, isto é, a não se masturbarem em público, mesmo sem terem nessa conveniência sido instruídas? 3. Serão as suas crianças diferentes das outras, no que à masturbação concerne? Quer dizer, teve a Senhora receio que numa eventual urgência, lhes apetecesse masturbarem-se após terem estado a arranjar a corrente da bicicleta, e ainda com as mãos cheias de óleo e massa consistente?
Neste caso, parece-me bem a sua ideia de esclarecer as coisas, a bem do equilíbrio emocional das suas crianças. É que seria desconcertante para elas, passado o calor do orgasmo, ficarem envergonhados por alguém poder passar no momento e lhes perguntar : Ó menino, a tua mãezinha não te ensinou que devias ter cuidado quando andas na bicicleta, para não entalares a pilinha na corrente?
Na expectativa do favor da sua resposta, subscrêvo-me com consideração, AT
resposta apenas ao seu PS (que foi a unica coisa que li do principio ao fim):
EU, quero ter o direito de ser EU a ensinar educação sexual aos meus filhos. EU, não mando os meus filhos para o rio.....
Percebeu? Foi claro? Qunado se defende que a Educação Sexual deve ser dada na Família defende-se apenas que não deve o Estado intrometer-se na MINHA família porque não lhe dei motivos para isso... Na criancinha do rio, havia variadissimos motivos que aquela família (?) já tinha dado ao Estado para ele se meter
cparis, esse é precisamente o problema: quem e como se determina quais são os motivos que legitimam a intervenção do Estado na família. Acredito que o sr., sendo ilustrado, não só não deite os seus filhos ao rio, como também tenha condições para lhes dar uma boa educação em todos os aspectos. Mas esse não é o caso de todos. Outra coisa: detesto que me gritem.
ó meu caro senhor, a anónima aqui ou fala a sério ou então manda umas farpas. Como este não é o meu espaço abstenho-me de farpas. Não me despeço, contudo, sem achar estranhissimo que um pai de 4 filhos fale em orgasmos quando o assunto é masturbação infantil. Não quero acreditar que tal referência lhe saiu dos dedos por ser pouco atento ao que efectivamente se passa com as criancinhas.. ou se calhar isso explica porq é q nunca sentiu necessidade de lhes recomendar a privacidade.
Meu caro Anónimo, Pelas razões aduzidas no seu comentário, não sei bem que concluir. 1. Será que há pais que temem por um eventual défice de inteligências nas suas crianças, e por essa razão se previnem? 2. Será afinal que as crianças são normais, estando o défice na mente desses pais, resultando sendo ociosas as instruções técnicas neste domínio?
O equilíbrio, o bom senso e a moderação, deixaram de ter lugar nos dias de hoje?
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