A CULPA E A SUA DESCENDÊNCIA: A propósito do julgamento, no Mississipi, de um ancião de 80 anos, acusado de ter matado James Chaney, Andrew Goodman e Michael Schwerner, voluntários do CORE (Congress of Racial Equality), no dia 21 de Junho de 1964, Gary Younge, em extenso e afiado comentário no Guardian, intitulado Don't take the blue pill, fala-nos dos perigos da legitimação do presente através da reprovação do passado. Younge argumenta que estes julgamentos servem para estabelecer a reponsabilidade individual, mas não devem ser utilizados para traçar uma linha cortante entre esse passado e o presente, como se os actos individuais passados tivessem sido produto de um sistema racista que hoje não mais existiria. Ainda segundo o cronista, essa "pílula azul" (na definição do Morpheus / Matrix) pode pôr o acusado atrás das grades - mas deixa à solta o sistema que o produziu e o tornou infame. Percebo o argumento. Porém, acrescentaria outra coisa: este julgamento não deve servir como "pílula azul", que nos envia para o mundo onde acreditamos no que queremos, ainda que à custa da realidade, mas também não deve servir como reparação da consciência colectiva sobre o passado. Só a tibieza nos pode levar a pedir à punição de um indivíduo a expiação do que fomos, ou alguém por nós, quarenta anos atrás. E esse é, precisamente, o perigo dos bodes expiatórios: confessamo-nos culpados na terceira pessoa e queremos a absolvição para nós, fingindo que na condenação dela vive o nosso perdão.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.