HISTÓRIAS DE COCAÍNA - parte II: Longe vão os tempos em que Aslinger, o todo poderoso director do extinto FBN ( Federal Bureau of Narcotics), nas vésperas da II Grande Guerra, requisitou milhares de hectares em Porto Rico destinados à plantação de coca. Aslinger, um dos mais decisivos personagens da política de drogas do século XX ( foi director do FBN durante 32 anos) era um obcecado pelo armazenamento. Também a Conferência de Haia ( 1911), na qual Portugal se opôs ao controlo da produção manufactura e distribuição de narcóticos proposta pelos EUA, nos parece hoje longínqua. Lisboa, oficialmente, entendia que tal medida só seria válida se assinada por todos ( o que se sabia ser impossível, dada a oposição inglesa e francesa) ; mas nos corredores sabia-se que os portugueses desejavam apenas proteger o tráfico macaense. O velho problema dos príncipios morarem no rés-do-chão da raison d'état, é mesmo velho. Em 2002, o potencial de manufacturação de cocaína ( baseado na estimativa do total do cultivo do arbusto de coca) foi oficialmente calculado em 800 toneladas, em 2003 desceu para umas mais singelas 655. Boas notícias? Nem tanto.Por um lado, investigadores privados fazem outras contas ( Gootenberg assegura uma média de 1000 toneladas de cocaína anualmente produzida à entrada do novo século e não encontra razões para que a média tenha baixado); por outro lado, a política de Vicente Fox no México e a cooperação EUA-Colômbia, apertaram de tal maneira os fornecedores dos 14 milhões de consumidores regulares de cocaína do planeta ( sensivelmente metade dos quais são americanos) , que as coisas mudaram. Um dos aspectos fascinantes da história e geopolítica das drogas, consideradas a partir do século XVII, é a sua extrema adaptabilidade e mobilidade ( hei-de trazer aqui um dia o exemplo da relação entre o tabaco e o ópio fumado). A política referida, de helicópteros&herbicidas, se resultou (?) a nível local, obrigou os traficantes a procurar outras vias. Moçambique, e Angola por exemplo, são hoje uma porta de entrada apetecida para a cocaína no mercado sul-africano ( daí as apreensões recentemente registadas em Cabo Verde e S.Tomé e Príncipe). Mas é sobretudo a Europa que começou desde meados dos anos 90 a ser muito procurada para escoar a produção tutelada pelos carteis de Tijuana, Taumalipas, Cali e afins. É bom não esquecer que tão preocupante é a produção de drogas num determinado território, como a capacidade dos seus donos em fazê-la de lá sair. E é da velha tradição deste comércio procurar portos de entrada acessíveis ( pela sua localização), baratos ( em termos da mão de obra necessária e do custo da corrupção) e fáceis de controlar ( redes locais de tráfico comparativamente incipentes e finaceiramente ávidas de contacto com organizações mais ricas). Algumas cidades portuguesas e espanholas ( as "nações" não contam para manos como MayoZambada ou Miguel Orejuela), bem como da antiga Europa de Leste, preenchem actualmente estas condições. A "mundialização" do tráfico de cocaína dos dias de hoje está a apenas a repetir a que ocorreu no início do século anterior. Mas uma das diferenças é tenebrosa: por alturas da Conferência de Xangai ( 1909), o número de adictos não atingia sequer o meio-milhão em todo o mundo.
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