ARAME FARPADO: 1 - POEIRA PARA OS OLHOS: Já se sabe que os tempos não estão para liberdades. Ainda assim, surpreende-me que ninguém esteja muito ralado com a suspensão dos Acordos de Schengen pela França. Por várias razões. Em primeiro lugar, porque não devemos olhar para aquela decisão como meros observadores externos, que comentam actos alheios: Portugal é Parte na Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen. Uma convenção cria direitos e obrigações e, até ao momento, os cidadãos portugueses tinham direito a entrar em França sem estar sujeitos a controlos fronteiriços (obviamente, desde que não viessem de fora do Espaço Schengen). O que significa que a decisão da França afecta a liberdade de circulação dos cidadãos portugueses. Seguidamente, há que saber se ela foi tomada de acordo com o que se prevê na Convenção de Aplicação (art. 2º, nº 2), onde, de facto, se permite a reintrodução temporária dos controlos fronteiriços por razões de "ordem pública ou de segurança nacional". A este propósito, é elucidativo o soundbyte emitido por Sarkozy: "se não reforçarmos os controlos nas fronteiras quando cerca de 50 pessoas são mortas em Londres, não sei quando o faremos". Sim, esta justificação é muito apelativa na sua manhosa simplicidade. Mas se a olharmos mais detidamente, vemos que: 1) a França não reintroduziu os controlos fronteiriços no 11 de Março, onde morreu mais gente, mais perto, e não parece que isso lhe tenha trazido grandes problemas; 2) o problema da França com as bombas de Londres não parece ser maior do que o (ou diferente do) dos restantes países europeus - pode até ser menor, atendendo à sua política externa relativamente ao Iraque e ao conflito israelo-palestiniano; 3) é uma manipulação levantar o medo contra o que vem de fora a propósito de atentados cometidos por quem era de dentro; 4) ninguém no seu perfeito juízo acredita que os controlos fronteiriços sejam um meio eficaz de evitar a entrada de terroristas daquele calibre. De maneira que a França, dando rédea solta ao pior da sua tradicional pulsão isolacionista, acaba de violar, com o beneplácito dos restantes Países, os deveres que assumiu na Convenção de Aplicação de Schengen. Claro, há sempre quem se sinta mais seguro por ter de mostrar o passaporte quando vai comprar caramelos a Fuentes d'Oñoro.
PS: A suspensão da liberdade de circulação não implica a suspensão do Sistema de Informação Schengen (SIS), que continua a funcionar em pleno. Obviamente.
Sarkozy gosta de soundbytes sonantes e afirmações bombásticas (v.g., ainda há pouco tempo afirmou que um juiz - que deixara sair em liberdade condicional um sujeito que "aproveitou" a liberdade para cometer um homicídio - teria de "pagar pelo seu erro"). E tem-se mostrado exímio em piscar o olho à extrema-direita. Conjugue-se o empenho de Sarkozy na evidente pré-campanha para as presidenciais de 2007 com o clima "anti-europeu" (nas suas mais disparatadas manifestações e contra-reacções, que já envolvem outdoors de canalizadores polacos e agora, ao que parece, de enfermeiras...) e a suspensão de Schengen deve parecer mais um fait-divers aos franceses (ou estão à espera dos outdoors pró-Schengen...). E os outros Estados - que, na prática, são quem irá sofrer as consequências (via seus cidadãos)? Nas ondas de choque do "não", temem criar mais anti-corpos gauleses? É nestas alturas que se sente a falta dos ingleses...et pour cause.
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