NEM LAWRENCE NEM MASSIGNON: Reparo que a utilização do termo "negociar", no contexto da luta contra o terrorismo, tem feito alguma confusão, como por exemplo ao JMF do Terras do Nunca, que prefere "seduzir" e "armadilhar". Por outro lado, no Mão Invisível, continua a negar-se em absoluto qualquer derivação do termo. Dois pontos: É estranho que negociar, quando se trata de terrorismo assuma um significado cândido e familiar. Negociar implica muitos comportamentos: comerciar, traficar, preparar, diligenciar, entre outros. É estranho que para ocidentais orgulhosos da sua História, negociar signifique a concessão de um estatuto de dignidade e boa fé à outra parte. Ao longo dos séculos, os europeus negociaram a compra de escravos e ópio, negociaram a queda de marajás e sultões, negociaram territórios inteiros, negociaram como Diabo e com o filho dele. Negociar, procurar obter vantagem numa determinada situação, não é necessariamente um exercício moral e passional . O senhor Hirschmann até demonstrou as vantagens da nova ética. Mas mais estranho para mim, é o som que vem dos novos sinos: há muçulmanos bons e muçulmanos maus, os bons têm de ser ensinados a separar a a religião do Estado, todos tendo de ser desenvolvidos, escolarizados e alimentados; Dito de outra forma, ocidentalizados. Seria fastidioso enumerar os filhos do direito de não-representação, batido na admnistração colonial da zona, que os europeus e americanos geraram. O próprio termo Médio-Oriente, foi inventado em 1902 por um historiador americano da Marinha, Alfred Manham, por razões de estratégia naval ligadas à importância do Golfo Pérsico. Mais o que importa é o presente, e som dos sinos. Com que então há farruscos bons e farruscos maus: muito bem, como os distinguimos? Seguimos a via do inquérito ou da análise de conteúdo? E a propósito da secularização, pressupondo que os seduzimos a deitarem para o lixo a lógica da fiqh ( ou Figh'h) e do seu braço armado, a sharia, o que lhes oferecemos em troca? A MTV e o Spielberg, ou Kant e Locke? Shabestari, ex-director do Centro Islâmico de Hamburgo, diz que falta à sociedade islâmica um corpo de conhecimento - uma filosofia jurídica sistematizada, uma filosofia compreensiva da ética, uma ciência económica - que não esteja incluido na jurisprudência religiosa. O problema é velho, embora os bravos sejam novos. Louis Massignon, o último orientalista europeu, preconizava numa deliciosa entrevista concedida em 1925 aos Cahiers du mois, que a laicização exportada para o Oriente acabaria por ter como resultado "preparar o campo para o duelo final". A verdade é que o contacto ocidental com a terra média desequilibrou as velhas estruturas - colonizou e depois modernizou - tanto quanto permitiu o surgimento de novos espaços de liderança, que se arrogam de um sistema de interpretações dos deveres da jihad assaz peculiar. Em muitos lugares, um muçulmano não sabe para onde se virar. Na Europa, no entanto, os meninos bem nascidos e educados, não se importam de morrer pela tal de Al Quaeda. Estranho: não vivem eles na terra de Kant e Locke? Dou uma ajuda: sim, mas também na de Lawrence e de Balfour; e na de Massignon, que bem nos avisou. E a tempo. A ladainha que o terror se deve à fome e aos trapos, é apenas mais uma representação do território complicado. É a exportação do modelo da revolução industrial e da sua correcção social, para o tal sítio onde Shabestari diz não existir um corpo de conhecimento para o receber, a ele, ao modelo ocidental.
"E a propósito da secularização, pressupondo que os seduzimos a deitarem para o lixo a lógica da fiqh ( ou Figh'h) e do seu braço armado, a sharia, o que lhes oferecemos em troca? A MTV e o Spielberg, ou Kant e Locke?"
Tal facto acontece também com os nossos filhos???
Fabuloso? ou talvez não... vivemos num mundo em que a globalizção passou a chamar-se macdonalização?
"Ao longo dos séculos, os europeus negociaram a compra de escravos e ópio, negociaram a queda de marajás e sultões, negociaram territórios inteiros, negociaram como Diabo e com o filho dele."
E então? nada disso tem como pano de fundo os fundamentos de uma civilização. Usando analogia com um filme recente, negociar a compra do próximo carro não é mesmo que receber 1M$ por alguém dormir com a nossa mulher. Estávamos dispostos a negociar com URSS uma trégua e só apenas no combate militar directo. Cometeu-se o erro de garantir o espaço soviético quando o Ocidente tinha a maioria dos trunfos e isso deu-nos a guerra fria.
"os bons têm de ser ensinados a separar a a religião do Estado, todos tendo de ser desenvolvidos, escolarizados e alimentados; Dito de outra forma, ocidentalizados"
Se explodem nas nossas ruas obviamente que SIM e muito muçulmanos, a maioria são seculares na prática.
"laicização exportada para o Oriente acabaria por ter como resultado "preparar o campo para o duelo final""
A Europa já esteve em conflito com o Islão desde o nascimento deste por isso a laicização não pode ser a única razão. Desde que houvesse contacto haveria alguém com razões para o conflito. Como as melhorias extraordinária das comunicações e transportes facilitaram os contactos , a laicização muitas vezes forçada pelos governos socialistas pan-árabes é só um dos aspectos...
"Estranho: não vivem eles na terra de Kant e Locke?" Alguém que passa a vida a ouvir discursos fundamentalistas está na terra de Kant e Locke? apenas físicamente.Old England is dying...
"O próprio termo Médio-Oriente, foi inventado em 1902 por um historiador americano da Marinha, Alfred Manham, por razões de estratégia naval ligadas à importância do Golfo Pérsico."
?? O Golfo Pérsico não tinha grande importância na altura, era apenas visto como a zona tampão para a India e isto pelos ingleses. Manhan teorizou sobre a guerra naval num mundo global aprofundadamente apenas por isso surgiu essa nova referência .
Nem Lawrence nem Massignon... também não entendo essa oposição, eles entendiam-se bastante bem mesmo dentro da rivalidade Franco-Britãnica
A razão porque há guerra é precisamente porque a MTV, o laicismo e a Coca cola são tão atraentes para uma grande parte dos muçulmanos dos países "árabes".
em primeiro lugar: comecei há pouco a ler o vosso blog e tenho gostado bastante. leio-o normalmente de par com as notícias, quando ligo o computador, há sempre algum tipo de ponto pé de flor com os assuntos do dia que ajuda a digerir melhor aquela espécie de massa acrítica ou enviesada que nos despejam em cima decorada com títulos chamativos. em segundo lugar: perguntas (como não as ter). se o terror não se deve à fome e aos trapos, deve-se à "sanha cega" contra o modo de vida ocidental (como tantos parecem agora acreditar)? do genéro "se eu não tenho coca-cola,não te deixo beber a tua em paz"? não me parece que os os meninos "farruscos" nados e criados na Europa fossem numa cantiga tão simples, quando até podiam escolher... pepsi. Ou é uma sanha muito mais profunda, ou é outra coisa. Negociar? Mas com qual das cabeças da hidra? E, mesmo que despojemos o termo de toda a sua candura, parece-me incontornável a subsistência de uma "oferta" - ou sugestão dela. Com que contas coloridas ou panos estamos dispostos a acenar? Enfim.(Não é tão simples como "diligenciar" que os mais novos abdiquem da sua quota de bolacha americana em troca da garantia de que não irão padecer de joanetes...)
Esclerecendo melhor o meu post anterior: Recuemos a 11 de Setembro de 2001. O que é que eles pediriam em troca? É que se nos reportarmos a uma data posterior, existe sempre a fácil resposta da "invasão do Iraque", a culpa dos americanos e o relambório habitual que me causa náuseas.
caro/a anonymous exactamente. isso e a possibilidade de eles nada quererem (verdadeiramente) em troca. ou de deliberadamente colocarem a fasquia no ponto exacto a partir do qual sabem de antemão que qualquer troca é impossível (que é apenas um modo sibilino de dizer o mesmo). em quaisquer hipotéticas "negociações", o nosso objectivo último seria claro e perceptível - erradicar actos terroristas. e o deles? não enjeitariam, porventura, acumular um ou outro ganho colateral, mas e se o terrorismo preencher uma função peculiar, que aos líderes (que não morrem nos atentados, claro) interesse preservar, dentro da lógica das suas próprias estruturas?
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