CONCEITOS: Há alguma dificuldade no tratamento de algumas questões às quais se atrelam determinados conceitos. As "férias dos juizes" é uma delas, como o leitor assíduo deste blog já terá reparado. Agora há uma nova, que é a "irresponsabilidade dos juizes".
Vou tentar explicar, desta vez sem recorrer às modalidades desportivas. Em primeiro lugar, atente-se no seguinte: se um juiz errar (grosseiramente, de forma evidente) na sua decisão, a vítima dela é hoje indemnizada, pelo Estado. O juiz será certamente penalizado pelo órgão fiscalizador (logo, não é irresponsável. Aliás, está já estabelecida a situação de dolo. Daí o problema de se utilizarem alguns conceitos para certas situações ou questões), mas não é ele, naturalmente, quem irá sofrer a obrigação de indemnizar monetariamente o lesado. Com isto, a sociedade organizada garante uma coisa essencial: garante que o juiz decide (bem ou mal, já lá iremos) de forma completamente independente, apenas valorando a prova que diante dele se faz. Repito, se errar, o Estado, a sociedade organizada paga a compensação devida, como acontece agora.
O que este governo socialista pretende neste momento é responsabilizar os juizes no caso de erro destes na avaliação da decisão de prisão preventiva. Serão os juizes - e já não a sociedade organizada - a indemnizar, em última análise, presos preventivamente que se venha a verificar terem sido erradamente detidos. Por outras palavras, os juizes apreciarão os casos que se lhes depararem não só tendo em consideração a prova que diante deles se produzir mas também o receio de um dia virem a ser processados e obrigados a pagar por terem decidido mal. Não será só uma questão disciplinar, de má nota; o juiz decidirá com medo do que lhe vier a acontecer no futuro. Passarão, portanto, a decidir sendo partes interessadas no processo. O resultado é que mais nenhum juiz mandará ninguém para a prisão (Ó-lá-lá, vou-me agora chatear?.... Vem aí uma defesa mais elaborada para o julgamento ou depoimentos diferentes ou alterados ou ainda, justamente, demonstradores - agora! - de que o MP funcionou mal na acusação e eu é que me vou tramar? ? Isso é que era bom!).
Fulano é detido, presente ao juiz, realizam-se as acções necessárias e legais e, segundo todos os critérios, conclui-se que Fulano cumpre as disposições necessárias a uma prisão preventiva por fogo posto (para utilizar um tema actual e incandescente....), de onde resultaram inclusivamente mortes humanas. Pois o juiz irá mandar o suspeito em liberdade com medo de, mais tarde e com mais tempo, se vir a considerar provado que o dito estava noutro país com amigalhaços. Se falo de casos de fogo posto, pensem em casos de pedofilia, vai ser a mesma coisa.
Num país de criminosos, esta medida seria naturalmente aplaudida com entusiasmo.
Num país civilizado, esta atitude do governo socialista seria de imediato rechaçada por todos: pela população em geral, porque isto afecta negativamente a sua vida e as decisões que lhe dizem respeito; pela comunidade científica, porque isto afecta aquilo que têm defendido; pela oposição democrática, porque isto afecta a democracia e a independência dos poderes; pelos defensores da nossa Constituição, porque isto a afecta indubitavelmente, na mesma medida que impede a independência dos juizes, por todos, enfim, porque a medida tem a carinha chapada e imberbe da vingança sobre a prisão preventiva que alguns tiveram ou a pressão inadmissível que o Governo quer colocar sobre o poder judicial.
Ora nós gostávamos mais da independência de poderes, ou já não será assim?
PS: voltarei certamente a este assunto. PS2: a João Mãos de Tesoura: vi agora os seus comentários a anteriores posts meus meus. Tentarei amanhã comentá-los na medida que eu souber.
Criticar o governo lá onde deve ser criticado. E são muitas as críticas a fazer a este governo. Agora, justiça seja feita: este projecto de responsabilidade pública que VLX comenta já é muito antigo e estava ultimado no tempo de Celeste Cardona. Não é, aliás, uma singularidade portuguesa que os juises ou outros agentes possam ter q indemnizar do seu bolso cidadãos injustamente privados da liberdade. A questão é em que termos e em que condições. Em situações de dolo e de negligência grave parece-me perfeitamente justificado. É que, VLX, irresponsabilidade (conceito que grassa em vários domínios) não significa impunidade e arbítrio. Vale?
Repare, meu caro Pedro Jardim, que no caso de dolo os juizes já são responsabilizados (e outra coisa não poderia deixar de ser). Repara ainda que concordo inteiramente que irresponsabilidade não se pode confundir com impunidade e arbítrio. Acontece que a questão vai muito para lá disto: não lhe parece estranho que os socialistas, desde que ganharam a maioria, tenham atacado sistematicamente - às vezes ofensivamente - o poder judicial? Tenho por certo que a maior garantia da liberdade das pessoas é a independência dos tribunais face ao poder político e acredito mais no pior dos juizes que no melhor destes políticos que nos andam a governar com medidas popularuchas. Esta medida concreta, que reputo inconstitucional, afecta largamente a independência dos juizes e das suas decisões, que sairão influenciadas por motivos exteriores àqueles que se passaram numa sala de audiências. E não se vê logo a carinha de quem se anda a querer vingar?
E se fizessemos uma campanha pública pela responsabilização dos ministros. Não era má ideia não. Já estou a ver antigos e actuais a venderem os seus tachinhos (os tais!!!) para conseguirem pagar as indemnizações, tais seriam os montantes. E o Zé Povinho, todo contente porque cada um de nós receberia milhares, seria melhor que vencer o Euromilhões. Todos os portugueses milionários!
Sendo uma medida altamente lesiva da independencia dos juizes, mesmo assim não seria pior do que o que se passa actualmente: na sua esmagadora maioria, na hora de decretar medidas de coacçao os JIC limitam-se a fazer o que requer o MP e a maior parte das vezes nem sequer leem os processos.
Os meus conhecimentos Jurídicos não passam daquilo que aprendi quando fiz a "4ª classe", mas como , penso, ainda tenho algumas células a funcionar isso permite-me "botar" faladura sobre o assunto. Depois de ler os comentários ao Post, o autor (VLX) continua a ter toda a razão. O grande problema é que se continuam a tomar medidas sem as justificar de forma lógica, racional e fundamentadas. Os nossos políticos partem do princípio que estão a "botar" faladura para gente estúpida, iletrada e irracional (e teem alguma razão), outras vezes estão só a apalpar terreno. Vejam-se os casos mais recentes da OTA e TGV.
- Quem faz as Leis e as aprova? - Porque razão as Leis são quase sempre aprovadas com falhas na interpretação? - A quem aproveita tudo isso?
"Parafraseando" o Inspector Magrait, Sherlock Holmes, Poirot, e tantos outros, a quem aproveita o "Crime"?
Porque me parece que VLX tem bagagem suficiente para tratar deste assunto, gostaria de lhe lançar um desafio:
Porque razão é que a Lei não prevê que quem perder a acção deva pagar uma indemenização ao vencedor por todas as despesas tidas bem como pelo tempo perdido com a mesma?
Parece-me que qualquer coisa deste género iria diminuir muito, muito a quantidade de processos em tribunal bem como veríamos as Comp. de Seguros a pagar indemenizações atempadamente e Câmaras Municipais a pagar na hora os prejuízos causados à população pela sua ineficiência.
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