NÍVEL ZERO DA POLÍTICA: Quando Mário Soares nos diz que a sua candidatura à Presidência da República se deve quase unicamente a impedir que a candidatura de Cavaco Silva seja um "passeio" ou um "plebiscito", revela-nos igualmente que a política e a democracia portuguesa desceram tão baixo que mesmo ao nível das candidaturas à chefia do Estado, a coisa se resume a meros ajustes de contas e ódios pessoais. É esta a democracia de Mário Soares.
Este ajuste de contas pessoal que MS pretende jogar com o seu inimigo de estimação - mesmo que para isso se tenha de servir do país como tabuleiro descartável - é-nos exactamente revelado pela dita justificação que MS tornou pública ("evitar o passeio"), na qual se não pode acreditar porque o mesmo MS não se coibiu de efectuar uma feliz passeata aquando da sua segunda candidatura e não me recordo dele dizer, na altura, que isso seria mau para a democracia. Por outra via, o próprio MS está convencido de que a sua actual candidatura será um passeio através do qual ele conquistará o troféu final dizendo umas larachas e banalidades aos jornalistas embasbacados, passeando-se em almoçaradas várias pelo país real durante a campanha e dando-se ares de pai de todos. De forma que o argumento por ele utilizado não pode ser levado a sério (como, de resto, quase tudo o que ele tem dito). A sua candidatura justifica-se, portanto, apenas pelo facto de MS não querer ver o outro tipo em Belém e de MS julgar que, ele sim, irá em passeio de novo para lá.
Tenho esperança de que não seja assim. Estou convencido de que os portugueses engolem muitas coisas dos políticos (e deste em particular) mas há duas que lhes repugna verdadeiramente engolir: a primeira é a atitude da pessoa que não tem problemas em rasteirar os velhos amigos. Por mais que MS se desfaça em explicações esfarrapadas, aquilo que fez a Manuel Alegre ofende os portugueses, que não gostam de ver traições deste tipo. A segunda é a avidez. Os portugueses não gostam dos que vão com muita sede ao pote, dos que não se vedam, daqueles que têm tamanha ânsia de poder que não conseguem parar. E a candidatura de MS revela-nos isso tudo. Independentemente de considerações sobre a idade (elas também legítimas), os portugueses acham que o tempo de MS já passou (diz o povo: quem andou não tem para andar), que ele devia sair do jogo, largar o tabuleiro.
Por fim, não tenho a certeza de que os portugueses queiram sentar na cadeira do poder pessoa que manifestamente tem revelado apenas enorme aptidão para se refastelar em confortáveis sofás.
Caro VLX: Como alguém que acompanha desde há muito as suas intervenções mediáticas (sobretudo no Flash-Back, no Público e também aqui no Mar Salgado), sempre com simpatia e frequentemente com discordância, permita-me um breve comentário ao seu "post". Também eu não acho particularmente feliz a última jogada política do "pai da democracia", sobretudo pela maneira expedita e humilhante, para dizer o mínimo, como o homem afastou o "amigo" Alegre do caminho. No entanto, não me devo enganar muito se pensar que a leitura do seu "post" deve estar a causar um imenso gozo ao novel candidato, dando-lhe a confirmação plena de que a sua decisão está já a provocar nas hostes adversárias o efeito por ele pretendido. Na verdade, ao ler o seu "post", é impossível não ficar com a sensação de que o tipo de reacção suscitada pela apresentação (ainda não oficial) da sua candidatura, já detectada aliás em outras tomadas de posição de defensores da candidatura do "homem do leme", configura um contrafeito reconhecimento de que aquilo que se antevia como um "passeio" mais ou menos triunfal e uma vitória "sem espinhas", se pode tornar numa tarefa árdua e espinhosa, a demandar muito empenho e esforço. É assim como se disesse: "Possa, agora que estava tudo a correr tão bem, com o Guterres despachado para os refugiados, e aquele patusco do Alegre a servir de bombo da festa, agora que estava mais que garantido que, pela primeira vez (em democracia) íamos pôr um gajo dos nossos em Belém, aparece-me outra vez este gajo que ainda nos há-de estragar a festa." E convenhamos que este estado de espírito não é o mais mobilizador para a batalha eleitoral que se aproxima. A direita precisa de encarar a disputa com alegria e convicção, confiante nos méritos do se seu candidato, e não resmungando, dizendo que o adversário devia ser outro, porque este torna tudo mais difícil. Vamos lá ver se elevamos o nível do debate e contribuímos todos para que a campanha para as presidenciais seja um aguerrido, sério e franco confronto de ideias e opiniões, e não um repositório de queixas, agravos e recriminações.
Caro Comentador António, Sou obrigado a esclarecê-lo de que me confundiu com meu irmão, seu homónimo. Eu sou mais independente. De todo o modo, aproveito para lhe dizer que nada tenho a ver com a suposta candidatura do homem do leme, como lhe chama, e que, quanto ao nível do debate, a malta tem de se limitar à matéria-prima e esta não dava para mais. Cumprimentos vlx
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