AMERICANISMO: Independentemente do que escrevi no post anterior, é inegável que a representação do americanismo na Europa é maioritariamente negativa, hoje em dia. Nada de novo: os europeus foram sempre eficazes em reduzir uma cultura ou uma região do globo a uma série de estereótipos. Assim fizeram com os chineses, com os árabes, com os selvagens de África. O americanismo europeu actual é sobretudo uma forma de poder: "nós" dizemos o que os americanos são ( por exemplo, no referido fórum da TSF, um cromo dizia que as estradas estão todas esburacadas). Julgo portanto ser errado falar-se de "anti-americanismo", pois que o prefixo ilude a razão de ser do discurso. O americanismo é um conjunto de simplificações apressadas e de ignorâncias lentas, como o são todas as representações culturais coevas desse modo de pensar o Outro. Os europeus achavam os árabes incapazes de raciocinar logicamente, agoram descrevem "os americanos" como um bando de cowboys. Mas o americanismo europeu, fundado numa suposta distância civilizacional, tem ainda outra face. Ao contrário do passado, os europeus não podem assumir superioridade industrial, científica ou bélica sobre o alvo da representação. Talvez isto explique por que razão o americanismo deslize tantas vezes para a manufactura de esterótipos sociais e políticos. Os americanos, os "maus americanos" ( como no passado havia os "maus árabes" mas também os "bons árabes", os que suportavam as administrações coloniais europeias) são coisas: "religiosos fanáticos", "violentos", gordos", egoístas", e por aí fora. A Europa, que não consegue unir-se em torno de um texto fundamental, tende por defeito de americanismo, a unir-se numa representação do americano. Poderá dizer-se que o americanismo é exagerado pelos media e pela influência dos de sempre nos media, mas parece-me ser atitude de avestruz não reconhecer que existe o problema. E historicamente, a aventura dos arquivos compilados de representações fantasiosas e preconceituosas sobre o Outro, acaba mal.
Isso não é só verdadeiro relativamente aos americanos é também aos próprios europeus. Martin Heiddeger dizia que a lingua alemã era superior às outras porque os europeus do sul não tinham capacidade para apreender a essência das coisas Micoli
Caro Filipe, Excelente post. Acrescento que depois da oposição à guerra do Iraque li um artigo muito interessante do Timothy Garton Ash. Ele tentava explicar a adesão de grande parte da opinião pública europeia à oposição à guerra e às suas manifestações como uma primeira demonstração de massas da emergência de um nacionalismo pan-europeu. Uma espécie de acto fundador de uma consciência europeia comum. Como todos os nacionalismos, definido pela marcação de diferença com o Outro (a América) Claro que isto era apenas wishful thinking de um crítico da intervenção americana e inglês europeísta. Como se viu posteriormente, nos referendos sobre Europa, se havia algo que estava em marcha não era um aumento do sentimento europeu mas justamente uma crescente descrença na Europa. O que aliás devia fazer pensar os que eufemisticamente chamam soft power ou talento e capacidade diplomáticas à impotência política europeia. Por isso, considero esta tua explicação para as barbaridades e inanidades que se vão ouvindo na Europa sobre os EUA bem mais convincente. De facto o europocentrismo intelectual tem raízes mais profundas do que pensamos.
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