NÃO, NÃO: Já percebi que os próximos tempos vão ser muito aborrecidos para quem não se interessar demasiadamente pelas eleições presidenciais. Tempos atrás, um marujo aqui da nau falava-me do que lhe ensinara o pai de um amigo comum (entre outras coisas, também sabia muito de política): "a gente vota sempre contra alguém". No meu caso, a frase não tem força normativa, mas, olhando para trás, é uma boa narrativa. Nos últimos 20 anos, votei quase sempre contra alguém ou contra um projecto, e não a favor de algo. A principal excepção foi, justamente, Mário Soares, em 1986. Entendo a eleição presidencial como uma escolha / rejeição de pessoas, mais do que de projectos políticos. Evidentemente: sendo a política um jogo de aparências, não me interessa aquilo que os candidatos são, mas aquilo que, com consistência, aparentam ser. Em suma: preciso de um candidato que me dê uma imagem de que gosto, ou de um candidato que possa vencer um outro cuja imagem me é particularmente adversa. Supondo que Cavaco Silva se candidata, e considerando que até votei em Jorge Sampaio contra Cavaco, pergunto-me por que razão não me apetece votar em Soares. E a resposta é: não voto no Cavaco de sempre nem no Soares de hoje. É que votar contra alguém também tem os seus limites: tem que haver uma empatia mínima com o candidato em quem se vota. Ora, errada ou certa, a imagem que Mário Soares me transmite hoje é a de uma inultrapassável soberba, pouco menos desagradável do que a arrogância da imagem de Cavaco Silva. Não me é suportável a afirmação de que só se candidata porque à sua volta vê o deserto, apesar das suas esforçadas tentativas de formar, de modos variados, gente nova que pudesse comandar o barco da grande esquerda. Estranho poder, o de quem pode dizer isto e contar com o apoio do maior partido da chamada esquerda. Claro que esta minha impossibilidade de votar em Soares não impede que sorria com o discurso de certa direita que rejubila com a previsão da sua derrota. Alguns voltam a berrar a plenos pulmões o nome daquele que execraram quando os deixou sem tecto, entre ruínas. Outros, continuando a não gostar de Cavaco (em quem votarão, no limite, com perninhas de sapo ao canto dos lábios), vêem na derrota de Soares a vingança da grande saga de 1986, quando agitavam radiosas bandeirinhas de Freitas do Amaral e sonhavam com lodens verdes pelo Natal. Hoje, na maturidade, odeiam ambos, e projectam na derrota de Soares uma espécie de vitória serôdia do movimento Para a Frente Portugal!, de que Freitas foi só, afinal, um acidente infeliz. Mais tarde ou mais cedo, se Cavaco for eleito, aparecerão por aí a indignar-se com a "imobilidade" do Presidente da República perante uma qualquer lei que aprove os casamentos homossexuais, ou coisa do género. O João Pinto e Castro diz que não está certo de que a eleição presidencial será de facto importante. Eu também não sei se o será no plano "objectivo" a que o João se refere. Mas, no que me diz respeito, entre aquelas duas majestades, tão acintosamente distantes de mim, sei que não farei o papel do Diabo.
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