PARA LÁ DO MARÃO... Ainda a propósito do mesmo post de JPP, que contendo as declarações do Comissário e os comentários do próprio JPP é todo um programa, talvez valha a pena alinhar uma ou duas observações. De um lado temos a visão idílica segundo a qual os costumes culturais são inócuos ( e até divertidos), assim um pouco ao estilo do antropólogo de varanda do início do século passado. Esta visão, curiosamente, radica numa concepção ultrapassada, porque vista sob o prisma da elementar superioridade morfológica da cultura ocidental: se os outros são diferentes, é apenas porque ainda não os conseguimos ajudar a ser iguais ( a nós), logo, são divertidamente puros e ingénuos. Já JPP me parece ultimamente deslizar para uma confusão perigosa: os costumes culturais trazem no ventre a insídia do ataque aos valores essenciais do mundo que contruímos tão laboriosamente. JPP, como outros, tem dificuldades em encontrar a isabelina via média do acolhimento: até onde te podemos deixar ser diferente, sem que deixes de ficar igual a nós? Hierarquizar, categorizar, regulamentar a simbologia cultural do outro, é sobretudo uma confissão de impotência e receio. O diabo está nos detalhes, parece ouvir-se, a proposito da excisão do clitoris. Mas se os nossos valores são os melhores, por que razão têm de ser impostos? Por que razão o critério da força como correcção do velho Hegel ( que explicava a inferioridade e indolência dos habitantes dos trópicos pela temperatura excessiva) não consegue ser comprovado? A resposta, obviamente, só pode ser uma: "não serão talvez os melhores, mas são bons e são nossos, e em nossa casa mandamos nós". É preciso é ter a coragem de o dizer, contra a História e contra o nosso passado. Ou seja, contra a incerteza evolutiva dos sistemas de valores e contra uma peculiar ideia acerca da autonomia cultural...
A teoria da relatividade é melhor porque é defendida pelo maior número de pessoas? Não bater nas mulheres é uma norma melhor do que a norma que diz para batermos nela só porque geralmente os homens (e as mulheres) não batem nas mulheres?
Quando se proíbe a violação, o homicídio, etc..., não se proíbe porque "são essas as nossas tradições", mas porque há uma norma universal que nos impede de praticar esses actos. Se, em alguns países africanos, se pratica a excisão do clítoris, tal deve-se a uma deficiência moral da pessoas que o fazem e da cultura em causa; não a uma qualquer escolha cultural admissível como qualquer outra. Se proibimos a excisão do clítoris no nosso país tal deve-se a uma adesão nossa a tal norma universal que nos proíbe de praticar tais actos e que leva a impô-los a outros no nosso território; não a uma simples diferença cultural.
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