CABEÇA DE TURCO: O Sr. (Dr.?) Duarte Alves, do DCITE da PJ, que tem feito um excelente trabalho, diga-se, anunciou hoje uma apreensão de "heroína com elevado grau de pureza que daria no mercado de consumo ilícito para mais de 303.000 doses individuais"; mencionou também o facto de o ponto de exportação ser a Turquia, "lugar de passagem" do produto. A PJ não refere a quantidade apreendida nem o seu estado ( "elevado grau de pureza" abrange muita coisa), mas é lícito supor que seja heroína-base, à qual terá de ser adicionada ácido hidroclorídrico ( para a obtenção de Heroína nº3) ou anidrido acético ( para a obtenção da nº4, a heroína injectável), bem como os adulterantes habituais ( cafeína, por exemplo). A outra possibilidade é ser apenas heroína ready-to-use, esperando apenas ser cortada para aumentar a margem de lucro do traficante. A apreensão foi baptizada "Expresso da Meia-Noite", título de um filme lamechas de Alan Parker, mas não é pelos gostos cinematográficos dos responsáveis do DCITE que vamos pegar. A coisa arrefece é quando Duarte Alves designa a Turquia como um "lugar de passagem". A Turquia é um país grande, e deve passar por lá muita coisa, mas no que toca ao outrora designado "Crescente de Ouro" *, a Turquia é o lugar...de produção. A morfina-base ( ou até apenas a pasta de ópio) do Crescente é maioritariamente produzida em laboratórios artesanais afegãos, paquistaneses e iranianos, mas só se transforma em produto consumível - diacetilmorfina, ou seja, heroína - na Turquia. A terrinha de Ataturk tem 499 km de fronteira com o Irão e é nas províncias de Igdir, Agri, Van e Hakkari, que o tráfico se faz com a Pérsia. Na segunda destas províncias, só em 1999, as autoridades turcas apreenderam mais de 500 quilos de morfina-base provenientes do Irão. A passagem afegã para o Irão faz-se por muitas vias terrestres, sobretudo a estrada Herat - Mecched e a de Farah - Zahedan. A Turquia funciona, sobretudo na zona de Van, como um receptáculo da imensa produção afegã que abastece também o Uzbequistão e o Turquemenistão: a sua vantagem operacional consiste numa maior facilidade de escoamento do produto para a Europa Ocidental, bem como na sua capacidade de transformação do mesmo, factor essencial, como se compreende.
* Se quiserem saber a origem do nome ( não que seja grande segredo...), esperem pelo meu Pequeno Dicionário da História do Tráfico do Ópio, isto se eu conseguir convencer uma editora decente.
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