TERRITÓRIO, PALESTINA & DEMOCRACIA ( parte I): Dizia Salvemini, no La questione meridionale ( 1955), a propósito da luta política no Mezzogiorno, que a vitória de uma facção unifica os seus opositores. Gramsci, nas Notas sobre História Italiana, recordava a "teoria da grilhetas" que o Sul representava para o Norte industrial, aludindo ao lazzaronismo, expressão depreciativa conotada com a "populaça de Nápoles". A desagregação do Sul, política, económica e social, que Gramsci descreveu na Rinascita, englobava também os intelectuais. Pizzorno, por sua vez, falava da ausência de "progresso histórico" no Mezzogiorno, para chegar a uma identificação que me é cara: a "desagregação meridional" daí resultante impedia a modernização estrutural. Um lugar onde qualquer projecto pessoal, de carreira ou de sucesso, é uma loucura, onde qualquer localização produtiva é anti-económica, sintetiza Galasso em L'Altra Europa. Galasso chega a ser explícito na sua descrição anti-moderna do quadro socio-antropológico do Sul de Itália: incapacidade de assumir uma personalidade histórica colectiva, rígido tradicionalismo social, importância dos líderes tradicionais e religiosos, uma visão do mundo inspirada na transcendência. Bem antes das descrições de Gramsci e Salvemini e após a unificação, em 1861, a rebelião do Mezzogiorno atingiu um ponto de não-retorno. A repressão foi militar e o comissário Massari foi encarregado de "estudar" o problema do banditismo do Sul. Sem grande sucesso. A insurreição de Palermo ( 1866) anunciava a salada: apoiantes dos Borbons, grandes latifundiários, antigos militares. O problema no Mezzogiorno não e, do ponto de vista da discussão em torno da afirmação da nacionalidade face à reorganização territorial, muito diferente da questão palestiniana. A diplomacia de Cavour foi arranjando forma de explicar à Europa de que maneira um grupo reinvindicativo pode obrigar a tornar-se radical se não for reconhecida a sua legitimidade territorial ( nacional). Esta minha analogia não é assim tão arriscada: Edward Said fá-la em "Orientalismo". Gramsci, na Southern Question, aguça-lhe o apetite: "a burguesia do Norte subjugou o Sul de Itália e as Ilhas e reduziu-as a colónias exploráveis". Esta é, concorde-se com ela ou não, uma parte de explicação oficial para a rebelião palestiniana face a Israel. Mas é textos posteriores, como em Culture and Imperialism (pp48-49) ou emPowers, Poltics, and Culture ( pp95) , por exemplo, que Said estabelece o paralelismo entre a interpretação gramsciana do domínio territorial e a questão palestiniana. Aqui chegados, talvez possamos discutir um bocadinho melhor o que significa ter um grupo armado e territorialmente reinvindicativo como o Hamas, legitimado através de eleições.
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