TERRITÓRIO, PALESTINA & DEMOCRACIA ( parte II): Um leitor competentíssimo, Nereu Matos Pato (NMP), escreve-me a propósito de um post meu de ontem, dizendo que a eleição do Hamas é uma catástrofe e que a minha previsão de que o povo reenviará o Hamas à procedência é ingénua. Ao contrário dos papagaios, não me tornei subitamente um especialista em geopolítica do médio-oriente, por isso o meu post anterior e este são escritos apenas sob o ângulo no qual me sinto mais confortável (ou menos desconfortável): a secularização e modernização das estruturas islâmicas tradicionais e o papel dos ocidentes nesse processo. Em alguns círculos, como se pôde ler no NYTimes ou no Wall Street Journal nestes dias, a pothole theory da democracia teve o seu momento. A pothole theory, de Bush e Rice, consiste nisto: enquanto os terroristas se ocuparem de tarefas rotineiras (como a recolha de lixo ou o ordenamento do tráfego rodoviário), não pegarão em armas. Daoud Kuttab, da Universidade de Al-Quds*, toca a mesma tecla: " If this sharing of power will satisfy Hamas, then they will have less of a need to use military means to be heard and that could possibly be good for the peace process". Ao contrário do que julgou o meu estimado leitor NMP, não habita em mim ingenuidade quando calculo que se o Hamas, com responsabilidade executiva, não trouxer resultados práticos será despedido: a minha ingenuidade esgotou-se ontem durante o BenficaxSporting. O problema é precisamente outro. Como referi no post anterior, utilizando o Sul de Itália, a Palestina é por assim dizer um aglomerado de ilhas territoriais : a tal "desagregação" que Galasso falava, mas com fortíssima ambição nacional, aparentemente limitada pela "opressão capitalista" israelita, no sentido que Said vai buscar a Gramsci. Mas isto não esconde, e Said nunca o esqueceu, que a estrutura dominante é religiosa e até agora, anti-secular. O que julgo, caro NMP, é que a pothole theory é que talvez seja ingénua. Dito de outro modo, não será a mimetização ( processo eleitoral) ocidental que "distrairá os terroristas", pois que ela, é digamos, superficial. Confio é na lenta instalação de uma capacidade auto-organizativa que venha a permitir aos palestinianos uma experiência de solidificação da sua identidade, apesar do inimigo externo. A modernização do Islão já é um bico de obra, como diz Soroush; se para além de o incentivarmos a adoptar processos ocidentais ainda por cima os negamos depois (porque os resultados não foram ocidentalmente razoáveis), então a tarefa passará a ser impossível. E termino comparando as declarações conciliatórias que Mahmoud Zahar faz hoje, com uma entrevista que deu em Setembro do ano passado a Kevin Peraino, da Newsweek. Perguntado se Bush está certo quando pretende que o envolvimento do Hamas o suavizará, Zahar respondeu na altura, rindo-se ( diz o jornalista): Containment will not succeed with Hamas. I don't trust the term "moderate". We are already moderate. But if people believe we will be moderate in the Western style, or pro-Israeli style -that's not moderate. That's corruption. O que acredito, e se nisso sou ingénuo então o meu caro NMP, pelo que conheço do seu pensamento filosófico e político, também o será, é que as pessoas se cansam de viver mal, sem horizontes de progresso, sem paz. É claro que correrá muito sangue ( guera civil, como diz o meu caro NMP, e que curiosamente também antecedeu a unificação italiana) e muita confusão, nem toda de origem interna, se instalará. Mas para as pessoas se cansarem, precisam de caminhar. Como todos nós.
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