DESENGANOS (I): Não vale a pena esconder a coisa porque ela é um facto, existiu; mas sobretudo porque organiza muitas franjas do discurso europeu, agora e de novo, face ao Islão. Falo da "culpa pelo passado colonial europeu". Os nomes graúdos dos estudos pós-coloniais e do lobi do multiculturalismo - Césaire, Bhabha, Spivak, Said, Clifford -, entre outros, precipitados na segunda metade do século passado, escreveram e influenciaram gerações inteiras de universitários-políticos que reclamavam o direito á "identidade", à "autoria", por assim dizer, do "mundo outro". Nessa altura, a questão da liberdade sempre se pôs. Roland Barthes discorria sobre a diferente sexualidade chinesa - "não é como no ocidente, produto da opressão social" -, os campos de reeducação da República popular "não deveriam ser vistos à luz dos padrões ocidentais", propunha, compreensivo, Sollers. A coisa nem sempre entrava pela porta da "culpa colonial", como se vê. Quando um europeu ( Freitas do Amaral, por exemplo) declara, constrangido, que "a culpa é nossa", o que está a dizer? Certamente, pois é um facto, que no caso da zona islâmica inflamada, as partilhas imperialistas britânicas e francesas ( mas também russas) sairam à pressa do local e não deixaram uma elite moderada no poder. Todos sabemos que a partir da WW II, um bom tirano valia mais do que uma má ( ou imperfeita ) democracia. Mas hoje, a frase da culpa faz tanto sentido como vermos Louçã ou o Comité Central do PCP em peregrinação a Tirana ou a Moscovo, nus e de corda ao pescoço, pedindo desculpa pelas antigas solidariedades. Assim, o mastigar contínuo da culpa apenas reflecte, mais do que "cedência", a incapacidade de pensar a diferença. Anos e anos de retórica da igualdade antropológica - negando sexo, idade, raça e cortes de cabelo - acabariam inevitavelmente por impedir os europeus de medirem a diferença. Ela aparece agora, sempre à luz supeita do antigo passado colonial, como a justificação dos vergonhosos projectos de domínio de outrora. A imaginação ao poder, é pois o que precisamos.
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