"SALAS DE CHUTO" É tão adequado designar assim as salas de injecção assistida (SIA) como chamar talho à morgue de um hospital. Uma vez mais, como é regra em matéria de toxicomanias, prevalece a ignorância promovida a verdade oficial. Um funcionário do INCB, Hamid Ghodse, disse recentemente que a SIA da Darlinghurst Road, em Sidney, não era mais do que a actualização um qualquer antro ( "den") asiático do século passado. Está enganado: os estaleiros de obras abandonados ou os baldios junto de bairros sociais é que se assemelham ( apenas isso) aos antigos antros. E por uma razão simples, como qualquer pessoa que conheça a história do ópio asiático sabe: nesses estaleiros e baldios, os consumidores estão entregues à sua sorte, o que consomem dependendo apenas das leis do mercado. Seja como for, trata-se apenas de uma semelhança. Os antigos "dens" pertencem a um outro mundo, são irrepetíveis, como o Sr. Ghodse deveria saber. As SIA, ao contrário do que alguns defendem, também não são incompatíveis com as convenções internacionais sobre estupefacientes. A Convenção de Nova Iorque ( 1961), no seu artigo 4º. parágrafo c), estabelecia sobre o título "Obrigações Gerais", o uso e posse de droga para fins exclusivamente médicos. A Conferência de Viena ( 1971) obrigava a uma autorização legal as mesmas duas situações. Nos anos 80, a Convenção Anti-Tráfico, no seu parágrafo nº2 do 3º artigo, imputava às partes a responsabilidade pela autorização da posse e do consumo, consoante "os princípios constitucionais e os conceitos básicos dos sistemas legais de cada país". A linha suiça, que desde 1988 foi cuidadosamente estudada por Hans Schulz, é clara: numa SIA, o drogado traz a sua dose, não sendo permitida a compra nem a troca. Os drogados são assistidos por pessoal médico que asseguram a assepsia do acto, sendo facultados também actos de informação e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. É degradante? Talvez, depende da perspectiva. Se eu for visto ao final da tarde, num café de Marselha, a beber dois copos de vinho branco com amigos, será apenas a normal recompensa de mais um dia de trabalho, como diz Anne Coppel. Mas se eu for visto a beber os mesmíssimos dois copos de vinho branco, às 7h da manhã, sozinho e em pé diante do frígorífico, todos terão pena de mim. As políticas de redução de riscos não têm de exibir o simbolismo perfeito do Camilo Pessanha ou a estética de um golo do Ronaldinho. São geralmente feias, talvez moralmente porcas para alguns, certamente perfectíveis, mas não necessariamente más. A razão pela qual alguns países precisam delas, isso é outra história.
Caro FNV, penso que será utópico que os "...actos de informação e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis" tenham um efeito prático nas referidas SIA's. Quando serão efectuados tais actos? Quando os "clientes" vierem para a injecção (possivelmente a ressacar) ou depois do consumo assistido?
Na minha opinião acho que em nenhum dos casos dará resultado. Agora uma das vantagens dessas salas será a possibilidade de monitorizar os toxicómanos.
E que drogados serão assíduos dessas SIA's? Possivelmente os de rua, uma vez que não terão medo de dar a cara e nem de serem vistos às 7h da manha deitados à porta de uma das referidas salas.
Caro Pedro: descrevi a linha do Schulz ( que é a maioritária), não a apreciei. Uma SIA não tem necessariamente de ser uma porta escancarada, pode ser apenas para utilizadores registados. Os suiços levaram a cabo, em meados dos anos 90, um programa de distribuição controlada de heroína para veteranos sob rigorosas condições de admissão. Caro Luis: é, o problema desta matéria é que tem atraído demasiadas certezas. De qualquer modo, as SIA não são uma óptima solução porque o drogado continua a ter de comprar a sua dose na rua.
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