TOLERÂNCIAS (I): Não me parece que o estatuto de judeus e cristãos - dhimmi - na península ibérica, anterior à reconquista, seja um bom exemplo para ilustrar o aspecto "mítico" da tolerância islâmica da altura, como julgo que o Pedro Picoito ( www.amãoinvisível.blogspot.com) faz. A condição de dhimmi assegurou aos judeus coisas muito importantes, negadas por outros senhores alguns séculos depois: inviolabilidade dos bens, autonomia judiciária e administrativa, liberdade cultural e cultual. O judaísmo do Magrebe, que perdurou até à construção de Essaouira e só se desfez com a colonização francesa, foi amassado no acolhimento aos refugiados da tolerância cristã ( é certo que alguns foram para a Holanda e outros para outras partes). O ponto reside na interpretação, à luz do pensamento ocidental de hoje, do conceito de liberdade. Em Granada ou em Toledo, antes da reconquista, o grau de protecção oferecido a judeus e cristãos era o maior possível. O espectáculo dantesco dos fanáticos islâmicos de hoje não nos deve fazer cair na tentação de reescrever a História. Um outro aspecto interessante, para o qual não disponho do cabedal intelectual necessário, prende-se com a suposta dívida do Ocidente para com o Islão em sede de progresso científico-filosófico. A escola de Edessa, herdeira da linha nestoriana de Zenão de Bizâncio, é bem anterior a Maomé ( séculos IV e V). Também antes dos célebres tradutores de Toledo, são os judeus e árabes da Síria e da Mesopotâmia que traduzem Aristóteles. É porém certo, que o designado "ciclo medieval-oriental" traz para a península muitos textos que virão a reorganizar a filosofia e a cultura cristã. Talvez seja mais correcto falar-se de uma via arábica em vez de uma via islâmica, como sublinha Pinharanda Gomes. Por que motivo é a Europa cristã, e não o Islão, a desenvolver a herança, e se tal está ou não relacionado com a ausência de modernização mafamédica, isso são contas de outro rosário. Para breve, talvez.
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