TOLERÂNCIAS (II): É bom recordar que o estatuto de dimmi, "protegido" (ou o de mu'ahid, "o que se submeteu"), estava integrado num contexto mais vasto de reorganização política e admnistrativa da ocupação islâmica da península. É sabido que houve mais capitulações do que derrotas, por parte dos reinos visogóticos, pelo que convém atentar na submissão pela sulhan, obtida através de um tratado ( a futiha). Foi o caso de Sevilha, Mérida, Pamplona, entre outros. A sulhan implicava uma insignificante ou nula presença física do invasor muçulmano, cuja autoridade política foi negociada a troco do reconhecimento do direito a uma série de coisas importantes. A sulhan de Orijuela, assinada por Abd al-'Aziz *, explicitava que era concedido ao residente o direito a morrer de morte natural ( coisa importante), a manter as sua igreja intacta, a não ter de renunciar à sua religião. É triste existir gente com responsabilidades académicas que agora nega a ocupação militar da Península pelos muçulmanos e pelos árabes berberes e sírios. Mas também não vale a pena fazer dessa ocupação um modelo de intolerância e sanha persecutória, porque não foi. Quando, em Janeiro de 1492, Gutierres de Cardenas recebe das mãos do nasrita Boadbil as chaves de Granada, inicia-se, então sim, uma exigentíssima observância dos usos e costumes dos recém-convertidos. É curioso verfificar que alguns séculos antes, aos árabes que viviam nos territórios reconquistados era concedido um estatuto semelhante ao dimmi, no plano religioso. Nas mourarias de Évora ( 1276) e de Palmela ( 1170), ao mudejár ( do árabe mudajjan, "aquele que fica") foi permitido guardar liberdade de culto e de algumas práticas quotidianas associadas.
* in Pierre Chalmeta, Al-Andaluz: la implantación de una nueva superstrutura, Cuadernos Emeritenses, Fundacion de Estudos Romanos, Merida 1998.
Nota: O Pedro Picoito escreve-me alertando-me para uma incorrecção: "a mouraria de Évora recebeu o seu foral em 1166". Julgo que não. Évora recebe o foral em 1166, mas o foral da mouraria é concedido apenas em 1273: "et in super faciatis mihi alios foros et costumes quos mihi faciunt et fecerint mauri forii Ulixboni" ( Ordenações Afonsinas, Livro II, tit.101, p.535, in MFBarros, "A Comuna Muçulmana de Lisboa: sécs. XIV e XV", Biblioteca de Estudos Árabes, Hugin, 1998). Ou seja, à mouraria de Évora é concedido um estatuto igual ao que foi concedido à mouraria de Lisboa e Almada, em 1170. No post enganei-me na data , mas apenas em três anos: é 1273 e não 1276, o Pedro refere outra coisa diferente. Se eu continuar enganado, o Pedro selará definitivamente o assunto.
Tens toda a razão. O foral de Évora é de 1166, o da mouraria de Évora é de 1273. Fui eu que me enganei devido à coincidência das datas. Nada a acrescentar: não me meto mais com quem cita as Ordenações Afonsinas em latim.
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