VINTE ANOS DEPOIS: Gosto de ver - e acompanho - a defesa veemente da liberdade de expressão a propósito das caricaturas de Maomé. Já fizemos o mesmo há alguns anos, quando estreou o Je vous salue, Marie, do Godard. Não foi?
Talvez o Pedro não tenha reparado, mas os católicos que protestaram então contra Godard (ou contra "A Última Tentação de Cristo" do Scorcese) não costumam achar grande graça às ofensas a outras religiões. Sabem bem que, mais tarde ou mais cedo, há-de chegar a sua vez. A diferença é que não lançam fatwas sobre o Godard e o Scorcese.
Eu também concordo com a Liberdade de Expressão, mas respeito a ideologia das pessoas, por isso também acho que deve haver limites, ou seja a nossa liberdade acaba quando começa a liberdade do outro.
Pedro: os dignitários religiosos e os crentes vivem (também) segundo as regras das suas civilizações. De facto, não faria muito sentido o Papa, ou os católicos, terem apelado, nos exemplos que dá, ao boicote dos produtos franceses ou americanos. Como não faria sentido os muçulmanos pedirem aos seus governantes para não concederem subsídios, etc., aos autores daquelas caricaturas. Pessoalmente, sempre achei que a proibição de liberdades públicas por motivos religiosos é um resquício de idolatria. A fé está noutros lugares, longe de César.
Sim, mas tentar a todo o custo que a fé não esteja onde está César, em nome de um laicismo absoluto que César agradece porque lhe tira mais um concorrente (e poderoso) no espaço público, é privatizar a fé. Ora a fé, para aqueles que a querem viver integralmente (sejam católicos, muçulmanos, etc.), tem por definição consequências sociais. Uma delas passa com certeza pelo respeito com que é tratada. Pela minha parte, oponho-me à censura, embora me custe ver a minha religião ofendida - ou as outras. (E se não me custasse seria estranho. Deus pode bem com isso, eu é que não.) Os muçulmanos têm uma opinião diferente. Talvez a distinção entre o que é de Deus e o que é de César, invocada pelo Pedro, seja afinal uma das tais heranças cristãs que distinguem o Ocidente de outras culturas...
Claro que a exigência de respeito é altamente subjectiva, o que constitui mais uma dificuldade para a impormos por lei. Mas isso não significa que seja indiferente a maneira como as crenças de alguém são tratadas. Acrescento isto para deixar claro que sou contra a censura em tais matérias, mas não fico contente porque um muçulmano se sentiu ofendido enquanto muçulmano.
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