"A CADELINHA: Eram onze da noite e o jardim do liceu estava vazio de gente. Sentei-me num banco e ela surgiu da sombra do único candeeiro, cabeça baixa, meio-corpo pintalgado das orelhas ao rabo. Fiz-lhe uma festa na cabeça, levantei-me e ela seguiu-me. Sorte minha, pensei. Até casa, duzentos metros e ela a trote certo atrás de mim. Ainda julguei que a cadelinha não entrasse, mas estava frio e confiava. Trouxe da cozinha um bocado de fiambre frio e dei-lho. Lambeu-se. Estava deitada aos pés do sofá, sossegada, quando lhe esmaguei a cabeça com a velha cadeira de ferro. Ainda estremecia dos quartos traseiros, portanto pousei-lhe a mão esquerda no pescoço fino e com a direita puxei o focinho para cima. Estava pronta. Havia apenas um fio de sangue a sair-lhe da orelha esquerda, que limpei rapidamente. Levei-a para a mesa da cozinha e fiz uma incisão com a minha faca preferida de forma a soltar o bife do jarrete. Como é uma zona musculada e não feri orgãos internos, o bife saiu limpo. Com pêlos e pele, naturalmente. Com outra faca, que normalmente me serve para o corte do carpaccio de vitela branca, retirei obliquamente a pele. Marinei a carne em vinho branco, sal e mostarda em pó durante duas horas. Entretanto, fui depositar a cadelinha no contentor do lixo e cruzei-me com a minha vizinha de baixo que me deu as boas noites. No regresso ao conforto do lar, comi o bife e duas fatias de pão integral. Cuido muito da minha saúde. Amanhã vou conhecer os irmãos da minha namorada. São dois pequenos deliciosos."
"O olhar de um bicho comove-me mais profundamente que um olhar humano. Há lá dentro uma alma que quer falar e não pode, princeza encantada por qualquer fada má. Num grande esforço de compreensão, debruço-me, mergulho os meus olhos nos olhos do meu cão: tu que queres? E os seus olhos respondem-me e eu não entendo...
Ah, ter quatro patas e compreender a súplica humilde, a angustiosa ansiedade daquele olhar! Afinal... de que tendes vós orgulho, ó gentes?..." de merda...(e que a Florbela me desculpe)
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.