A SEDE (I) : A sede que Sebastião da Gama diz que temos é mais água do que sede, pois foi Deus que a fez nascer e só Deus a pode aplacar, segundo o meu caro Pedro Picoito ( www.amãoinvisível.blogspot.com) . Sebastião não poderia assim ser supeito de estoicismo como eu arriscadamente alvitrei. Talvez sim, talvez não; de qualquer modo o pretexto é óptimo para uma vez mais trazer ao Mar Salgado a discussão da relação entre o estoicismo e o cristianismo. A sede bíblica está bem expressa no Evangelho de S.João, como julgo que o Pedro quis dizer: No episódio da samaritana e do poço - "O que beber desta água tornará a ter sede. Mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede" ( João 4: 13-14) - e sobretudo no da cruxificação ( João 19: 28-37). Muitas são as exegeses, a da esponja mediterrânica ( Euspongia officinalis) atada à ponta do hissopo parece-me bastante interessante: o animal que retem a água como o camelo (que no Talmud por isso mesmo atravessa os desertos) e o hissopo, o arbusto ( êzob, em hebraico) que Moisés utilizou para embeber o sangue do cordeiro sacrificial. Mas o principal é a sede que Jesus tem: ele é a fonte que tem de ser saciada ( como diz Eduardo Miranda) e morrendo absorve os pecados dos homens. Temos assim, nestes dois episódios, uma metafísica da sede que aparentemente não pode ser alcançada pela virtude estóica: a sede do cristão é mais água do que sede, pois que o estado de beatitude alcançado pelo aplacamento da sede é ilusório: não tem sede quem crê em Cristo. Ou seja, a felicidade, por vezes confundida com a vida boa/feliz (a vita beata) não dependerá de nós. E aqui entramos no osso da coisa: para os estóicos depende. Em parte.
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